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Boate Kiss: Saiba tudo sobre o caso!

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Publicado em 20/12/2021, às 12:44 Atualizado em 20/12/2021 às 13:43

Após mais de 8 anos, o incêndio da Boate Kiss voltou às páginas de notícia de todo país. A tragédia ocorrida em janeiro de 2013 tirou a vida de 242 pessoas e feriu outras 636 na cidade de Santa Maria, polo universitário do Rio Grande do Sul. No entanto, após 10 dias de um longo julgamento, o desfecho judicial tão esperado parece longe de acontecer.

Por se tratar de um julgamento recheado de debates relevantes, o Blog CERS preparou um dossiê jurídico informativo sobre caso. Confira abaixo todas as informações sobre o julgamento da Boate Kiss.

O que aconteceu na Boate Kiss em 27 de Janeiro de 2013?

Antes de adentrarmos na análise jurídica do julgamento, é interessante relembrar os fatos, assim como, entender os crimes imputados. Assim, em janeiro de 2013, 6 cursos da Universidade Federal de Santa Maria produziram uma festa que teria a apresentação de duas bandas.

O local do evento, a Boate Kiss, apresentava a capacidade máxima para cerca de 600 pessoas. Todavia, registra-se que aproximadamente mil pessoas estavam na boate. Próximo das duas horas da manhã, a segunda banda “Gurizada Fandangueira” iniciou sua apresentação.

Em algum momento, o vocalista da banda, Marcelo de Jesus, acendeu um artefato pirotécnico conhecido como Sputnik. Nesse contexto, as faíscas do objeto atingiram o teto da boate iniciando o incêndio. Então, o teto coberto de espuma para revestimento acústico alastrou o fogo, combinado com uma forte fumaça que tomou conta rapidamente do local.

A falta de comunicação entre a equipe de segurança prejudicou a saída dos jovens, visto que os seguranças acreditavam que toda a confusão que seguiu o incêndio tratava-se de uma briga. Muitos dos seguranças impediram a saída das pessoas pela falta de pagamento da comanda. Por fim, com a rápida passagem da fumaça, não era possível enxergar a saída, muitas pessoas procurando portas de saída acabaram presas nos banheiros.

Os condenados


Após as investigações reconhecerem uma série de irregularidades no funcionamento da casa, e pelo fato da banda iniciar o incêndio, foram indiciadas e condenadas 4 pessoas. Todos réus pelo concurso formal de 242 crimes de homicídio simples, praticados com dolo eventual, e 636 tentativas de homicídio, vejamos: 

Elissandro Spohr, sócio da boate:  22 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual. 

Mauro Hoffmann, sócio da boate:  19 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual. 

Marcelo de Jesus, vocalista da banda:  18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual. 

Luciano Bonilha, auxiliar da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual. 

O concurso formal de crimes

A condenação dos 4 réus citados acima foi baseada no instituto penal do concurso formal próprio de crimes, disposto no Art. 70 do Código Penal. Ao contrário do concurso formal impróprio de crimes, quando há a cumulação das penas, no concurso formal próprio, existe a exasperação da pena maior.

A definição do concurso formal próprio ou impróprio depende do dolo e da conduta. Logo, na primeira hipótese, há concurso formal quando a partir de uma mesma conduta, há mais de um resultado delituoso, sem a atuação sob desígnios autônomos. Por sua vez, o concurso informal ou impróprio, é exatamente o contrário, quando há dois resultados delitivos a partir de uma conduta com desígnios autônomos.

Desígnios autônomos

O artigo 70 do Código Penal utiliza o termo desígnios autônomos para falar acerca da figura do dolo no caso do concurso formal de crimes. Nesse sentido, a doutrina define desígnios autônomos como o desejo de produzir com uma única conduta mais de um crime.

Logo, o concurso formal próprio só pode ocorrer entre crimes culposos, ou um crime doloso e um crime culposo. No caso da boate Kiss, os quatro condenados tiveram na sua mesma conduta, vários resultados entre crimes com dolo eventual e culpa.

Vejamos o que diz o dispositivo da lei penal:

CP, Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Dessa maneira, o concurso formal próprio é a base da explicação para a quantidade de pena na condenação dos agentes. A prisão estabelecida pela dosimetria do juiz do caso (22 a 18 anos), pode gerar estranheza, quando se pensa que houve responsabilização criminal por 232 mortes.

Acerca desse ponto, ensina o Professor do CERS de direito penal Eduardo Fontes:

“Diante do concurso formal próprio, não haverá a soma das penas, devendo o magistrado adotar o sistema da exasperação, ou seja, aplicar a pena do crime mais grave e exasperá-la na proporção determinada em lei, conforme art. 70. Assim, o Juiz presidente fixou a pena base do homicídio simples e, na sequência, aumentou de 1/6 até 1/2 devido ao concurso formal próprio ou perfeito, atribuição que lhe é conferida pelo art. 492 e seguintes do CPP. “

Dolo eventual x Culpa consciente

Outro aspecto do julgamento bastante debatido é sobre a condenação por dolo eventual. A partir do posicionamento de grande parte da doutrina, os fatos que aconteceram na boate, não poderiam ter sido considerados dolo eventual. Nesse sentindo, a posição do código criminal do Brasil é baseada na Teoria do Assentimento.

No contexto da Teoria, o agente assume o risco de produzir o resultado, assentindo a tal possibilidade com indiferença. Acerca dessa forma de expressão do Dolo, é clássica a frase sendo deste ou daquele jeito, ainda assim atuarei”.

Por outro lado, a caracterização da culpa consciente aparece como outro caminho para os fatos narrados em juízo. Numa breve diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente, assim destaca o Professor Eduardo Fontes:

“Na culpa consciente, o agente prevê o resultado, mas não o aceita, não o tolera, acreditando sinceramente que pode evitá-lo com suas habilidades ou sorte.”

“Por sua vez, no dolo eventual, o agente prevê o resultado, mas o aceita, tolera que ocorra.  Há indiferença em relação ao resultado possível.”

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A execução provisória da pena e a decisão do Ministro Fux

A partir da reforma ao CPP, introduzida pelo Pacote Anticrime, foi acrescentada ao Art. 492 do CPP a hipótese de execução provisória da pena. Conforme a alínea e) condenados pelo júri a penas maiores de 15 anos de reclusão podem sofrer a execução provisória da pena com mandado de prisão expedido, se assim o Juiz proferir na sentença.

Além do contexto do julgamento da boate, a disposição da alínea descrita, tem sido bastante criticada por entrar em contraste com princípios constitucionais e tratados dos quais o Brasil é signatário. Nessa ótica, alguns precedentes estão afastando a possibilidade da execução provisória, por ferir princípios fundamentais, entre eles, o princípio da presunção de inocência.

Baseado nesses precedentes, foi concedido o Habeas Corpus preventivo, a fim de evitar a prisão imediata dos réus. A decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi suspensa pela polêmica medida cautelar do Ministro do STF Luiz Fux.

A Lei 8437/92 poderia sustar o Habeas Corpus preventivo?

A maior parte da polêmica da decisão do Ministro Fux, foi a fundamentação da medida cautelar que sustou o HC dos réus do incêndio. Baseada na Lei de Medidas Cautelares contra atos do poder público, diversos juristas argumentam de forma uníssona que a lei citada não possui nenhuma competência na área penal.

Ouvido pelo CERS, o nosso professor Márcio Alberto, Delegado de Polícia, argumentou sobre a decisão do Ministro e sobre os precedentes da suspensão de liminar em HC.

“Ocorre que essa lei trata da possibilidade de suspensão de liminares contra atos do Poder Público no processo civil (não sendo, em tese, cabível para decisões do Poder Judiciário no âmbito do processo penal). Apesar de tecnicamente inviável, a suspensão de liminar em HC já foi usada pelo STF (por exemplo na SL 1395). Nesse precedente, o presidente do STF suspendeu liminar em HC concedida por Ministro do próprio Supremo e submeteu o caso ao plenário.”

Na opinião do Docente, o mérito da decisão liminar que sustou o HC dos réus, também será levado, nesse caso, ao plenário do STF.

Cartas psicografadas podem ser admitidas como prova?

Outro momento polêmico do julgamento foi a utilização de cartas psicografadas juntadas aos autos para defesa do réu. O áudio de uma das cartas foi exibido na audiência, e fazia parte do livro “Nossa nova caminhada”. No livro organizado por pais das vítimas, são encontradas cartas psicografadas de 7 jovens vítimas do incêndio.

A utilização do áudio e do livro gerou comoção nas redes sociais. Nesse contexto, diversas perguntas foram feitas acerca da admissão desse documento como prova. Apesar de o STJ já ter decisão pacificada de que as cartas não podem ser admitidas como prova, a juntada aos autos, realizada pela defesa dos réus não teve nenhuma contraposição. Devido à inércia do MP, a advogada de defesa conseguiu realizar a exibição do material.

Por tratar-se de um tribunal de júri, a conquista emocional é uma das principais armas durante o julgamento. No Brasil, faz-se necessário lembrar que os jurados não precisam fundamentar seus votos, motivo apontado por muitos juristas para caracterizar as tentativas ousadas em sede dessa categoria de julgamento.

Por fim, de modo a recobrar a decisão pacífica do STJ, não há possibilidade de admissão de psicografia enquanto meio de prova. A impossibilidade do contraditório é o que fundamenta a vedação. Dessa forma, como não é possível fazer a contradita do espírito, esse meio de prova carece de epistemologia vital ao processo justo.

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