Saiba mais sobre: direito de construir
O direito de construir constitui “emanação do direito de propriedade. Assegura ao proprietário a faculdade de usar e dispor do que lhe pertence, como lhe aprouver (CC, art. 1.228), nele incluído a de edificar as construções que quiser. Todavia, o exercício do direito de propriedade não é absoluto, condicionando-se a outros valores, que merecem igual tutela da lei, seja no interesse dos vizinhos, seja naquele do bem-estar da coletividade”. É a lição de Carlos Roberto Gonçalves[1].
Em igual sentido caminha Maria Helena Diniz[2], para quem o direito de construir constitui “prerrogativa inerente da propriedade”, limitada ao direito dos vizinhos e aos regulamentos administrativos.
O art. 1.299 do CC assegura ao proprietário o direito de construir afirmando que o mesmo poderá levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos e desde que o seu prédio não despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho (CC, art. 1.300).
Ao fazer referência o Código Civil ao tema dos regulamentos administrativos, a ressalva a que se deverá fazer em alusão a isto reside no Estatuto das Cidades e, particularmente, ao plano direito que pode existir por força de legislação municipal.
Ao prever o art. 1.301 do CC ser proibido, em zona urbana, abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda a menos de metro e meio do terreno vizinho, demonstra a legislação ordinária cível sua nítida harmonia com as garantias fundamentais da vida privada, referidas no art. 5º, inciso X da CF/88, assim como no art. 21 do CC. Já na zona rural o Código Civil proíbe edificações a menos de três metros do terreno vizinho. A regra está no art. 1.303.
Carlos Roberto Gonçalves[3] denomina o instituto de devassamento da propriedade vizinha e defende a previsão normativa como forma de proibir que se construa de maneira a “perturbar o recato e a privacidade familiar do confrontante”.
Já o § 1o do art. 1.301 do CC afirma que as janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como os perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros.
A única ressalva estabelecida pelo Código Civil está no § 2o do art. 1.301: “As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso”.
Na sequencia o Código Civil prevê o prazo decadencial da ação demolitória depois de ano e dia da conclusão da obra. É o que afirma o art. 1.302: “O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho”.
Este prazo decadencial não se aplicará para os casos do parágrafo único do art. 1.302. Vale dizer que em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade. Em outras palavras, a legislação expressamente afasta a aplicação da decadência para vãos e aberturas para luz.
Caso a obra esteja em curso, ao revés da ação demolitória deverá o prejudicado lançar mão da ação de nunciação de obra nova, com o escopo de embargar a obra por desrespeito às normas de construção.
O direito de travejamento, também denominado de direito de madeiramento, aparecerá no art. 1.304 do CC: “Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo, se ela suportar a nova construção; mas terá de embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do chão correspondentes”. Este direito também estará previsto no art. 1.305, segundo o qual “O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce”. É a chamada parede-meia (construir a linha divisória até meia espessura no terreno contíguo). Aliás, se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior.
A parede-meia gera um condomínio legal entre os confinantes. O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da espessura, não pondo em risco a segurança ou a separação dos dois prédios e avisando previamente ao outro condômino das obras que ali tenciona fazer. Ademais não pode, sem consentimento do outro, fazer na parede-meia armários ou obras semelhantes, correspondendo a outras, da mesma natureza, já feitas do lado oposto. É o que dispõe o art. 1.306 do CC.
Já o art. 1.307 do CC disciplina o direito de alteamento: “Qualquer dos confinantes pode altear a parede divisória, se necessário reconstruindo-a, para suportar o alteamento; arcará com todas as despesas, inclusive de conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação também na parte aumentada”.
Os arts. 1.309 1.311 apresentam uma séria de proibições normativas. Inicia-se com a vedação de construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia a elas preexistentes, assim como a proibição de escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais. Ao final, adverte o Código Civil não ser permitida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas as obras acautelatórias.
Todo aquele que violar as proibições estabelecidas “é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos”, conforme o art. 1.312 do CC, daí surgindo a denominada ação demolitória pelo procedimento comum ordinário.
Curiosa disciplina está no art. art. 1.313 do CC segundo o qual o proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para: dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório, ou ainda apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente.
Casos típicos, indicados na própria norma, para aplicação deste preceito ocorrem para situações de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva, assegurando-se indenização acaso exista dano ao vizinho na realização destas atividades.
Para se aprofundar:
CURSO PREPARATÓRIO PARA CARREIRA JURÍDICA – MÓDULOS I E II
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 7ª Edição. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2012. Volume 5, p. 371.
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 26ª Edição. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2011. Volume 4, p. 317.
[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 7ª Edição. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2012. Volume 5, p. 373.