Questões comentadas de Processo Penal com Renato Brasileiro
I – trata-se de violação ao principio que veda a revisão pro societate, previsto no Pacto de São Jose da Costa Rica, cuja força normativa advém do artigo 5° , § 3° da Constituição, mesma fonte normativa que dispõe sobre a competência da justiça federal.
II – por se tratar, o pedido de arquivamento e sua determinação, de atos praticados por agentes aos quais faleciam, respectivamente, atribuição e competência de forma absoluta, por força de norma constitucional, não há que se falar em violação ao princípio da vedação à revisão pro societate.
III – a denúncia ofertada desconsidera, indevidamente, a extensão da coisa julgada material produzida com a decisão judicial que homologou o arquivamento, afrontando, assim, princípio constitucional.
IV – a denúncia poderia ser ofertada não havendo que se falar em violação da coisa julgada material, ou da vedação à revisão pro societate, mas apenas se o Procurador da República obtivesse novas provas, na forma do artigo 18 do CPP, uma vez que a decisão de arquivamento, embora emanada de juízo absolutamente incompetente, gera direito subjetivo para o investigado, especialmente derivado do princípio da confiança e da segurança juridica,
V – a instauração da ação penal não viola o Pacto de São Jose da Costa Rica, uma vez que a decisão judicial que determina o arquivamento não configura sentença absolutória, nem extintiva da punibilidade.
a) ( ) II e V estão corretas
b) ( ) I e III estão corretas
c) ( ) Apenas a IV está correta
d) ( ) Apenas a II está correta
Gabarito: A
Dica: arquivamento com base na existência manifesta de causa excludente da ilicitude: se o arquivamento com base na atipicidade do fato faz coisa julgada formal e material, há de se aplicar o mesmo raciocínio às hipóteses em que o arquivamento se dá com base no reconhecimento de uma causa justificante, haja vista que, em ambas as hipóteses, ocorre uma manifestação a respeito da matéria de mérito. A nosso sentir, não há diferença ontológica entre a decisão que arquiva o inquérito, quando comprovada a atipicidade do fato, e aquela que o faz, quando reconhecida a licitude da conduta do agente, porquanto ambas estariam fundadas na inexistência de crime e não na mera ausência ou insuficiência de provas para oferecimento da denúncia. Assim, da mesma forma que não seria admissível o desarquivamento do inquérito policial pelo surgimento de provas novas que revelassem a tipicidade de fato anteriormente considerado atípico pelas provas existentes, também seria inviável o desarquivamento na hipótese de fato julgado lícito com apoio em provas sobejamente colhidas. Como o arquivamento não decorrera de mero encerramento de investigações improfícuas, mas sim de um pronunciamento de mérito, anterior ao oferecimento da denúncia, há de se reputar presente a coisa julgada material.
No âmbito do Supremo, no entanto, o assunto tem provocado acirrada polêmica. Em decisão da 1ª Turma, considerou-se válido o oferecimento de denúncia a partir do surgimento de provas novas, apesar de prévia decisão de arquivamento com base em excludente de ilicitude. Referia-se o caso concreto a um suposto crime de homicídio imputado a delegado de polícia, em que se reputara configurado, inicialmente, estrito cumprimento do dever lega. Porém, novas investigações demonstraram que o que realmente ocorreu foi uma “queima de arquivo”. Com a obtenção de provas substancialmente novas, foi desarquivado o inquérito policial, e oferecida denúncia contra o agente. Entendeu-se, na hipótese, que a jurisprudência do Supremo seria farta quanto ao caráter impeditivo de desarquivamento de inquérito policial nas hipóteses de reconhecimento de atipicidade, mas não propriamente de excludente de ilicitude. Citando o disposto na Súmula nº 524 do STF, enfatizou-se que o tempo todo fora afirmado, desde o Ministério Público capixaba até o STJ, que houvera novas provas decorrentes das apurações. Ademais, observou-se que essas novas condições não afastaram o fato típico, o qual não fora negado em momento algum, e sim a ilicitude que inicialmente levara a esse pedido de arquivamento (STF, 1ª Turma, HC nº 95.211/ES, Rel. Min. Carmen Lúcia).
Em que pese tal decisão, há outro habeas corpus em julgamento pelo Plenário do Supremo relativo à mesma discussão. No caso concreto, após o arquivamento do inquérito, o Ministério Público reinquirira testemunhas e concluíra que as suas declarações, contidas no inquérito, teriam sido alteradas pela autoridade policial. Diante dessas novas provas, o MP oferecera denúncia. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, considerou possível a reabertura das investigações, nos termos do art. 18, in fine, ante os novos elementos de convicção colhidos pelo MP. Asseverou que o arquivamento do inquérito não faz coisa julgada – desde que não tenha sido por atipicidade do fato – nem causa preclusão, haja vista se tratar de decisão tomada com base na cláusula rebus sic stantibus. No entanto, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso manifestaram-se no sentido de que, a partir do momento em que reconhecida a legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal, a decisão de arquivamento faz coisa julgada formal e material, o que impede seu posterior desarquivamento. Após, pediu vista o Min. Ayres Brito (HC pendente de julgamento).
2. (PGR – 2013 – PGR – Procurador da República). A AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA:
I – é um direito do ofendido tão só pelo não oferecimento da denúncia, pelo Ministério Público, no prazo legal;
II – só pode ser instaurada pelo ofendido maior de 18 anos e, no caso de sua morte ou ausência judicialmente reconhecida, por cônjuge, ascendente, descendente ou irmão;
III – é uma garantia fundamental para proteção de interesse privado na persecução penal, constituindo mecanismo de controle interno do Ministério Público;
IV – pode ser proposta, em crime contra relações de consumo, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
ANALISANDO AS ASSERTIVAS ACIMA, PODE-SE AFIRMA QUE:
a) são corretos os itens I e III;
b) são corretos os itens II e IV;
c) apenas é correto o item IV;
d) todos os itens são corretos.
Gabarito: C
Dica: Na ação penal privada subsidiária da pública, o Ministério Público atua como verdadeiro interveniente adesivo obrigatório (ou parte adjunta), devendo intervir em todos os termos do processo, sob pena de nulidade (CPP, art. 564, III, “d”). Quanto aos poderes do Ministério Público na ação penal privada subsidiária da pública, convém ficar atento ao dispositivo do art. 29 do CPP, que elenca as seguintes atribuições do Parquet:
a) Inicialmente, é possível que o Ministério Público opine pela rejeição da queixa-crime subsidiária, caso conclua pela presença de uma das hipóteses do art. 395 do CPP: I) inépcia da peça acusatória; II) ausência de pressuposto processual ou de condição para o exercício da ação penal; III) ausência de justa causa para o exercício da ação penal;
b) Aditar a queixa-crime: na ação penal exclusivamente privada e na ação penal privada personalíssima, o Ministério Público só tem legitimidade para proceder ao aditamento para corrigir aspectos formais, incluindo circunstâncias de tempo ou de lugar. Não poderá fazê-lo para adicionar um novo fato delituoso ou outro corréu porquanto não possui legitimatio ad causam para tanto. Em se tratando de ação penal privada subsidiária da pública, como o crime é, em essência, de ação penal pública, o Ministério Público pode aditar a queixa subsidiária tanto em seus aspectos acidentais quanto em seus aspectos essenciais, quer incluindo novos fatos delituosos, quer adicionando coautores ou partícipes do fato delituoso;
c) Intervir em todos os termos do processo: por força do art. 29 do CPP, na ação penal privada subsidiária da pública, deve o Ministério Público intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, assim como interpor recurso. Ademais, de acordo com o art. 564, III, “d”, do CPP, haverá nulidade caso não haja a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública;
d) Pode o Ministério Público repudiar a queixa-crime subsidiária, desde que o faça até o recebimento da peça acusatória, apontando, fundamentadamente, que não houve inércia de sua parte. Nessa hipótese, prevalece o entendimento de que o Ministério Público se vê obrigado a oferecer denúncia substitutiva. Uma vez oferecida a queixa subsidiária, não pode o Ministério Público repudiá-la e requerer o arquivamento do inquérito policial. De fato, fosse possível ao Parquet repudiar a queixa subsidiária e nada fazer, tornar-se-ia cláusula morta o dispositivo constitucional do art. 5º, inciso LIX.
3. (PGR – 2013 – PGR – Procurador da República) ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:
a) Não obstante evidente conexão entre crimes de competência da Justiça Federal e contravenções penais, compete à Justiça Estadual julgar acusado da contravenção penal, devendo haver desmembramento da persecução penal;
b) Pessoa condenada na Justiça Estadual é transferida de presídio estadual para presídio federal. A competência para a execução penal permanece na Justiça
c) A competência para julgamento de crimes ambientais é, em regra, da Justiça Federal, com exceção daqueles cometidos em terras indígenas;
d) Segundo a Lei n. 9.613/98, os crimes de lavagem de capitais não têm persecução penal na Justiça Estadual.
Gabarito: A
Dica: em que pese o disposto no art. 109, IV, da CF/88, bem como na Súmula nº 38 do STJ, não é possível dizer que a Justiça Federal jamais poderá julgar contravenções penais. Deveras, nos casos de foro por prerrogativa de função, é perfeitamente possível que uma contravenção penal seja julgada por um Tribunal Regional Federal. Pense-se, por exemplo, em uma contravenção penal praticada por um Juiz Federal de São Paulo. Nesse caso, caberá ao Tribunal Regional Federal da 3º Região o processo e julgamento do feito, nos termos do art. 108, I, “a”, da CF/88.
4. (PGR – 2012 – PGR – Procurador da República) ASSINALE A ALTERNATIVA FALSA:
a) Para que se afirme a competência federal para processar e julgar os crimes previstos em tratados ou convenções internacionais não basta a mera previsão do delito em tais diplomas, sendo necessária a presença de uma relação de transnacionalidade;
b) A Emenda Constitucional n. 45/04, comumente chamada de Reforma do Judiciário, estabeleceu a competência exclusiva da Justiça Federal para processar e julgar os crimes contra os direitos humanos;
c) A Justiça Federal é competente para processar e julgar, ressalvada a competência da Justiça Militar, os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, entendendo-se por navio apenas as embarcações de grande porte, aptas a realizar viagens marítimas. No que se refere às aeronaves, a jurisprudência tende a incluir na competência federal quaisquer delitos cometidos a bordo de aviões que estejam realizando transporte aéreo entre aeroportos;
d) Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho nos quais tenham sido afetadas as instituições do trabalho ou os direitos dos trabalhadores coletivamente considerados;
Gabarito: B
Dica: a Emenda Constitucional nº 45/04 não fixou a competência exclusiva da Justiça Federal para o processo e julgamento de crimes contra os direitos humanos. Pelo contrário, reafirmou a regra da competência da Justiça Estadual, ficando a competência federal condicionada ao preenchimento dos requisitos constantes do § 5º do art. 109 da CF. Segundo este dispositivo, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. Por isso, a federalização dos crimes contra os direitos humanos apresenta dois pressupostos:
1) A existência de crime praticado com grave violação aos direitos humanos;
2) Demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal.
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