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Obrigações compostas pela multiplicidade de sujeitos

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Publicado em 02/02/2016, às 10:41

As obrigações solidárias são aquelas compostas pela multiplicidade dos sujeitos que a integram, seja no polo ativo (solidariedade ativa), seja no polo passivo (solidariedade passiva), seja em ambos (solidariedade mista). Também se caracteriza pela unidade objetiva da obrigação (CC, art. 264).

Assim, há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigado à dívida toda (unidade do objeto).

Duas questões devem, inicialmente, serem lembradas:

  1. A solidariedade não se presume, decorre de lei (solidariedade legal) ou da vontade das partes (solidariedade convencional) – CC, art. 265. Pode decorrer da lei, por exemplo, quando consequente de um ato ilícito, a exemplo dos arts. 932 e 942 do CC, bem como no art. 7º, parágrafo único, do CDC, segundo o qual tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação de danos.
  2. Decorrendo da autonomia privada, nada impede que a solidariedade seja pura ou simples, condicional, a termo ou com modo ou encargo, conforme rol exemplificativo do art. 266 do CC e o Enunciado 347 do CJF: “A solidariedade admite outras disposições de conteúdo particular além do rol previsto no art. 266 do Código Civil”. Com efeito, é até mesmo possível que a solidariedade seja, em um mesmo vínculo, pura para um dos devedores e condicionada para outro.

Afirma-se que na solidariedade há uma relação jurídica interna (dentro do polo ativo ou do polo passivo), ao lado de uma relação jurídica externa (entre o polo ativo e o passivo). Isto é facilmente percebido pelo fato daquele que adimpliu poder exigir reembolso dos demais codevedores que não o tenham ajudado no pagamento (relação interna no polo passivo após a conclusão da relação externa entre credor e devedor). O mesmo ocorre com quem receber toda a dívida (relação externa), pois terá que redistribuir observando a quota-parte dos demais credores (relação interna no polo ativo).

Para Sílvio de Salvo Venosa[1] a solidariedade se trata de um artifício técnico utilizado com o objetivo de reforçar o vínculo e facilitar o cumprimento da dívida, de modo que a totalidade do seu objeto pode ser reclamada por qualquer um dos credores ou dos devedores, configurando, pois, obrigação unitária, in solidum.

A solidariedade ativa (CC, 268) pode gerar, para o caso de um credor ajuizar ação judicial, o instituto da prevenção judicial, “podendo a satisfação da obrigação somente ocorrer em relação àquele que promoveu a ação”, como sustenta Maria Helena Diniz[2].

O instituto da prevenção judicial é bem simples. Enquanto não houver demanda alguma, qualquer credor pode, extrajudicialmente, receber todo o valor; e qualquer devedor quitar toda a prestação. Contudo, acaso um dos credores, por hipótese, venha a ajuizar ação de cobrança, por exemplo, nenhum devedor poderá mais realizar o pagamento de modo extrajudicial. A prevenção impõe que o pagamento somente aconteça dentro do processo. Importante lembrar, por conta do art. 219 do CPC, que a prevenção ocorre a partir da citação (a citação torna prevento o juízo).

A denominada refração do crédito solidário é prevista no art. 270 do CC, que traz disciplina sobre eventual morte de um dos credores no bojo de uma relação que contenha solidariedade ativa. Sabe-se que a obrigação se transmite causa mortis até as forças da herança, de modo que, com o óbito, haverá a refração do crédito, ou seja, da obrigação, nos limites da quota hereditária recebida. Ex: credor de R$ 12.000,00 (doze mil reais) falece e deixa 3 (três) filhos herdeiros. Cada um destes herdeiros somente poderá exigir uma quota de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). A regra só não incide acaso a obrigação seja indivisível, por razões óbvias.

A refração do débito solidário, por sua vez, está prevista no art. 276 do CC. Se um dos devedores solidários falecer e deixar herdeiros, estes serão obrigados a pagar apenas a quota que corresponder ao quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.

Sendo a dívida indivisível, qualquer herdeiro pode ser constrangido a realizar toda a prestação. Sendo divisível, ou se pretende contra o herdeiro, nos limites do seu quinhão, ou se pretende contra todos, reunidos na qualidade de litisconsórcio passivo necessário.

O devedor solidário demandando em processo poderá arguir as suas exceções (defesas) pessoais e as demais defesas (exceções) comuns. As exceções pessoais são incomunicáveis, pois relacionadas apenas ao sujeito. Exemplifica-se com um vício de consentimento, a exemplo de um devedor que fora coagido a celebrar o contrato. Apenas ele – o coagido – poderá arguir tal fato em defesa, buscando a anulabilidade do vínculo (art. 171 do CC). O outro codevedor solidário não poderá fazê-lo. Caso, porém, tenha havido a quitação por parte de um dos codevedores, quaisquer um deles poderá arguir, pois é uma questão comum (CC, art. 281).

Importante, para não se dizer polêmico, é o assunto abordado no art. 274 do CC, ao informar que o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; enquanto que o julgamento favorável aproveita-lhes, ao menos que se funde em exceção pessoal. Sobre o tema, existem doutrinas cíveis e processuais em sentidos variados.

Ainda sobre a solidariedade, cumpre apresentar breves notas do instituto da prescrição em situações como estas, pois o Código Civil estabelece este diálogo com o direito obrigacional, especificamente nos arts. 201 e 204. Veja-se:

(i) o art. 201 do CC prevê que uma vez suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, esse efeito só aproveitará aos outros se a obrigação for indivisível.

(ii) o art. 204 do CC prescreve que a interrupção efetivada por um credor não aproveita aos outros, salvo se a obrigação for solidária ativa. Ex. Se um credor protesta título em cartório, a interrupção da prescrição aproveitará aos demais credores solidários.

Nas pegadas do art. 275 do CC, no pagamento parcial todos os demais devedores continuam solidariamente responsáveis pelo resto. Nesse sentido, o Enunciado 348 do Conselho da Justiça Federal afirma que o pagamento parcial não implica, por si só, a renúncia à solidariedade, a qual deve derivar dos termos expressos da quitação ou, inequivocadamente, das circunstâncias do recebimento da prestação pelo credor.

Segundo o Enunciado 350 do mesmo Conselho da Justiça Federal, a renúncia à solidariedade diferencia-se da remissão. Isto porque nesta o devedor fica inteiramente liberado do vínculo obrigacional, inclusive no que tange ao rateio da quota do eventual codevedor insolvente, nos termos do art. 284 do CC. Ex. A é credor de B, C e D em R$ 30.000,00 (trinta mil reais). A renuncia à solidariedade em relação a B. Neste caso, B será exonerado da solidariedade, mas continua obrigado por R$ 10.000,00 (dez mil reais). Os demais continuam respondendo solidariamente pelo resto (R$ 20.000,00 – vinte mil reais).

Esta importante questão é tratada no Enunciado 349 do Conselho da Justiça Federal: “Com a renúncia da solidariedade quanto a apenas um dos devedores solidários, o credor só poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida; permanecendo a solidariedade quanto aos demais devedores, abatida do débito a parte correspondente aos beneficiados pela renúncia”. Sob o aspecto processual, a teor do Enunciado 351 do Conselho da Justiça Federal: “A renúncia à solidariedade em favor de determinado devedor afasta a hipótese de seu chamamento ao processo.”.

Outrossim, o artigo 275 codificado aduz ainda que a propositura de ação em face de um, ou alguns dos devedores, não exonera os demais, os quais persistem solidariamente obrigados. Logo, se “A” é credor de “B”, “C” e “D” (devedores solidários), e propõe ação apenas em face de “B”, isso não quer significar que ele está renunciando a solidariedade em face de “C” e “D”.

O que fazer na hipótese de perda culposa do objeto na obrigação solidária?

Na hipótese de perda do objeto da obrigação solidária por culpa de um dos devedores, todos subsistem solidariamente obrigados a indenizar o credor pelo equivalente da perda. Todavia, em relação às perdas e danos, apenas será devida pelo culpado (CC, art. 279). Exemplifica-se. Imagine que “B”, “C” e “D” são devedores solidários, por força do contrato, da entrega de um caminhão de soja para “A”. Fica a cargo de “B” levar a aludida carga. “B”, por desídia sua – embriaguez, por exemplo – tomba o caminhão e perde toda a carga. Aqui, “B”, “C” e “D” subsistem solidariamente obrigados pelo equivalente da carga, mas apenas “B”, o culpado, arcará com as perdas e danos.

Ainda no tratamento da solidariedade, a dívida paga pelo devedor solidário a quem interessar exclusivamente o cumprimento da obrigação, impossibilita o direito ao regresso (CC, art. 285). Assim, se há solidariedade entre o devedor principal e os fiadores, em função da renúncia ao benefício de ordem (art. 827/828 do CC), e o devedor principal quita com a sua dívida, logicamente não há de se falar em ação regressiva em face dos demais devedores solidários – que seriam meros garantidores/fiadores.[3]

Para se aprofundar:

CURSO DE DIREITO CIVIL (PARTE ESPECIAL) – "COMEÇANDO DO ZERO" 2015 – PROF. ROBERTO FIGUEIREDO (DISCIPLINA ISOLADA)
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CIVIL
CURSO INTENSIVO PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS
CURSO PREPARATÓRIO PARA CARREIRA JURÍDICA – MÓDULOS I E II

 


[1].     In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 98/99.

[2].     In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 299.

[3].     In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 77.

 

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