A pandemia de coronavírus trouxe muitas dúvidas e inseguranças, inclusive para o meio jurídico. Um dos aspectos que tem sido bastante questionado é a questão da guarda compartilhada dos filhos e sua locomoção entre as casas dos responsáveis em meio às determinações de isolamento e lockdown. Confira!
PRECEDENTES
Evidentemente, a situação de pandemia atual é inédita – ao menos neste século -e, por isso, não possui precedentes ou jurisprudências capazes de legislar sobre o assunto. De forma geral, as decisões têm sido baseadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Civil.
Ambos, é claro, têm como principal objetivo a proteção da criança e do adolescente e garantia dos seus interesses. Lê-se o artigo 1.583 do CC/2002, que determina:
Art. 1.583. Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
Pela ausência de jurisprudências consolidadas sobre o tema, é essencial que os juízes responsáveis pela decisão desses casos sejam extremamente criteriosos. É necessário buscar soluções que prezem pelo bem-estar da criança e do adolescente e sua salvaguarda quanto aos casos em que haja risco de contaminação.
A guarda compartilhada é um direito assegurado pela Constituição Federal, mas pode ser restrita a depender do caso concreto. Sendo um dos responsáveis um profissional com contato direto com a doença, por exemplo, o juiz deve considerar a saúde e segurança da criança e do adolescente antes de tomar a decisão sobre a guarda.
É importante destacar que a realização de acordo é o melhor para os filhos e os genitores – pois, além de ser mais tranquilo e pacífico para a criança e adolescente, há a questão da possível superlotação do judiciário com as demandas oriundas da crise do coronavírus.
É PROIBIDO LOCOMOVER-SE COM A CRIANÇA E ADOLESCENTE DURANTE O ISOLAMENTO?
Na hipótese dos responsáveis morarem na mesma cidade ou a uma pequena distância um do outro, não estando eles em situações de risco ou diretamente expostos ao vírus, é possível que haja revezamento da convivência.
Na ausência de impeditivos legais que proíbam a circulação do responsável com a criança ou adolescente para este fim, o direito à guarda compartilhada é exequível. Deve-se lembrar, é claro, que todas as normas e recomendações sanitárias dos órgãos governamentais devem ser cumpridas.
Além disso, é essencial que sejam respeitados os desejos e interesses das crianças e adolescentes envolvidos, pensando sempre em seu bem-estar.
DECISÕES LEGAIS DA GUARDA COMPARTILHADA DURANTE A PANDEMIA
Desde o início do isolamento no Brasil, alguns órgãos vêm emitindo decisões, orientações e pareceres sobre o assunto. Dentre eles, tem-se o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o qual publicou uma recomendação em março a fim de regular a questão das visitas durante o isolamento.
Um dos primeiros pontos ratados pelo Conanda é a recomendação de que o contato entre o filho e seu genitor seja feito, preferencialmente, através de meios virtuais, como videochamadas, mensagens de texto ou ligações telefônicas.
O Conanda sugere, também, que o responsável não tenha contato direto com a criança ou adolescente na hipótese de ter sido exposta ao vírus ou tendo retornado de viagem. Nesse caso, deve-se respeitar um isolamento de 15 dias para que se analisem os sintomas.
Além disso, é importante que o deslocamento da criança ou do adolescente seja evitado, com enfoque aos casos em que a relação ou bem-estar dos filhos será prejudicada com a restrição de convivência. Havendo a permissão de visita ou de revezamento do período de convivência, é imprescindível que todas as recomendações das instituições oficiais sejam respeitadas.
COMO FICA A LOCOMOÇÃO DURANTE O LOCKDOWN?
Analisa-se, por exemplo, o estado de Pernambuco, que teve lockdown firmado entre os dias 16 a 31 de maio pelo Decreto Estadual 49.017, alterado pelo Decreto 49.024. Este determinou que o trânsito de crianças e adolescentes no caso da guarda compartilhada caracteriza-se como uma exceção à proibição de movimento e locomoção durante o isolamento.
Observa-se o artigo 3º, §1º, VII do referido dispositivo:
Art. 3º Fica estabelecida, no período de 16 a 31 de maio de 2020, a restrição de entrada, saída e circulação de veículos e pessoas nos municípios de Recife, Olinda, Camaragibe, São Lourenço da Mata e Jaboatão dos Guararapes. […]
VII – condução de menores de idade entre as residências dos responsáveis pela guarda compartilhada. (Acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 49.024, de 14 de maio de 2020.)
Assim, percebe-se que apenas a determinação do isolamento não é causa suficiente de suspensão da guarda compartilhada. Para que isso ocorra, é claro, deve haver acordo mútuo entre as partes envolvidas ou, então, decisão judicial.
Vê-se, portanto, que as soluções pactuadas devem garantir que não se sacrifique a convivência familiar de forma profunda. Nesta senda, o genitor que não reside com a criança ou adolescente deve ter contato contínuo com esta e não pode ter tolhido seu direito de comunicação com seu filho.
O vínculo afetivo e os interesses da criança ou adolescente devem ser respeitados, ressaltando a segurança e saúde do menor e a preferência por meios virtuais de comunicação.
E DEPOIS DA PANDEMIA?
Evidentemente, uma vez normalizada a situação e findado o isolamento pela pandemia do coronavírus, é essencial que a convivência da criança e do adolescente com seus genitores volte aos acordos previamente determinados.
Na hipótese de um dos responsáveis proibir as visitas ou tentar, de algum modo, reduzir ou tolher o convívio com a outra parte, bem como a tomada de decisões conjunta sobre a vida dos filhos, será necessário levar o caso à Justiça para que reestabelecidos os padrões normais da guarda compartilhada.
Leia também: https://noticias.cers.com.br/noticia/coronavirus-impactos-juridicos/
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