Na forma do art. 492 do Código Civil “Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”. Todavia, o §1º do referido preceito apresenta uma importante ressalva nos seguintes termos: “os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar as coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas a disposição do comprador, correrão por conta deste”. Arremata o §2º: “Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajustados”.
Sem dúvida o art. 492 do CC traz a distribuição dos riscos e o cerne da questão disciplinadora da perda ou do perecimento do bem objeto da compra e venda, devendo ser analisado com toda a atenção. Evidentemente que se trata de regra dispositiva a permitir disciplina em sentido contrário pelos contratantes, nos limites da função social do contrato e da boa-fé objetiva, a que aludem os arts. 421 e 422 do CC.
O art. 237 do CC se harmoniza com a regra prescrevendo que “até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos”.
Vale recordar: a compra e venda por si somente não transferirá a propriedade. Exige a tradição, para bens móveis (CC, art. 1.267), e o registro para bens imóveis (CC, art. 1.245), como mecanismos de transferência real do domínio. É possível, destarte, que ocorra um perecimento ou uma deterioração antes da tradição ou do registro.
O princípio res perit domino (a coisa perece em face do dono) auxiliará na identificação da responsabilidade por esta perda, ou por esta deterioração. Em outras palavras: enquanto não houver a tradição, ou o registro, o proprietário continuará sendo o alienante (vendedor) que sofrerá a responsabilidade civil pela perda ou deterioração, sem culpa das partes, do bem objeto da compra e venda. Após a tradição, ou após o registro, a responsabilidade civil pela perda ou deterioração do bem já será do adquirente (comprador).
Em síntese: “a tradição é o marco divisor na responsabilidade pela perda ou deterioração. Como em nosso sistema o contrato não transmite a propriedade, a coisa continua a pertencer até sua entrega, ainda que a posse esteja com terceiro”. A lição é de Sílvio de Salvo Venosa[1].
Atenção: o art. 494 do CC prescreve que “Se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se das instruções dele se afastar o vendedor”. Neste caso, a tradição do objeto da compra e venda ocorrerá a partir do momento em que o bem estiver à disposição do comprador.
Para se aprofundar:
CURSO PREPARATÓRIO PARA CARREIRA JURÍDICA – MÓDULOS I E II – 2016.2
[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Compromisso de Compra e Venda com Eficácia Real. In. DELGADO, Mario Luiz (Coord.). Novo Código Civil – Questões Controvertidas. São Paulo: Método, 2004, v. 2, p. 35.