O tema é abordado no direito de vizinhança em um único artigo de lei. Reza o art. 1.285 do Código Civil que “O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”.
De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald Jr[1] “Trata-se de uma das mais rigorosas restrições de direito de vizinhança”. Carlos Roberto Gonçalves[2] leciona que “O imóvel encravado não pode ser explorado economicamente e deixado de ser aproveitado, por falta de comunicação com a via pública. O instituto da passagem forçada atende, pois, ao interesse social. O direito é exercitável contra o proprietário contíguo e, se necessário, contra o vizinho não imediato”. Fato, por conseguinte, a intima relação entre a passagem forçada e a conferência de função social a um bem (art. 5, XXIII da CF/88).
Nessa esteira, a passagem forçada é o “direito do proprietário de prédio (rústico ou urbano), que não tem acesso a via pública, nascente ou porto, de, mediante pagamento cabal de indenização, reclamar do vizinho que lhe deixe passagem, fixando-se esta judicialmente o rumo, quando necessário por não haver acordo”, como aduz Maria Helena Diniz[3].
Atenção!
No Enunciado 88, o Conselho da Justiça Federal entendeu que “O direito de passagem forçada, previsto no art. 1.285 do CC, também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica”.
Percebe-se, aqui, um alargamento doutrinário sobre o assunto, pois o objetivo não seria apenas garantir acesso; mas sim assegurar um mínimo acesso adequado, em vistas da função social da propriedade. Afinal, do que adiantaria uma propriedade sem acesso algum a via pública? Ou, ainda, com um acesso claramente insuficiente?
Não olvida-se, portanto, que o instituto do direito de vizinhança denominado passagem forçada pressupõe para sua incidência a situação jurídica do imóvel encravado; leia-se: sem saída externa para a via pública. Como a propriedade deverá atender a função social (art .5º, XXIII da CF/88 e 1.228, §1º do CC), surgirá o direito de se exigir do vizinho a passagem forçada. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald Jr[4] arrematam: “Pressupõe que um imóvel esteja em situação de absoluto encravamento em outro, decorrente da ausência de qualquer saída para a via pública”.
Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu o assunto?
No Recurso Especial nº 316.336/MS o Superior Tribunal de Justiça entendeu que “Numa era em que a técnica da engenharia dominou a natureza, a noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na supremacia do interesse público; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso por meios terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, em que qualquer caso será indenizado pela só limitação do domínio”.
Mas quem deverá conceder a passagem forçada?
Este dever jurídico será do vizinho “cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem”, na lição de Flávio Tartuce[5]. A solução legal harmoniza-se com a ideia de restrição menos gravosa ou onerosa. O §1º do art. 1.285 assim disciplina o assunto: “Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem”.
Já o §2º do art. 1.285 do CC prescreve a solução jurídica a ser dada para o caso de ocorrer a alienação (venda ou doação) do prédio serviente. Eis o texto: “Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem”. Neste caso, o dever jurídico da passagem forçada será imposto ao outro vizinho, dono da outra propriedade. Entendemos, apesar disso, que o adquirente do aludido imóvel serviente deverá respeitar o dever jurídico da passagem forçada, afinal de contas esta obrigação acompanhará o adquirente isto porque o instituto envolve obrigação propter rem (ambulatorial, própria da coisa).
O §3º do art. 1.285 do Código Civil determina que se aplica o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra. “A razão é que seria injusto deixar ao alvedrio do vendedor tornar encravado o seu prédio e ao mesmo tempo lhe conceder a faculdade de exigir passagem de qualquer vizinho, impondo, assim, ao arbítrio do malicioso ou do negligente, uma restrição à propriedade alheia”. É o que defende Carlos Roberto Gonçalves[6].
Mas a passagem forçada é conferida gratuitamente? Diria respeito esta passagem apenas a pessoas?
A resposta é negativa.
Prossegue o Código Civil, agora em seu art. 1.286, afirmando que “Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa”.
É dizer: além da passagem forçada de pessoas, também será devida a passagem forçada de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, desde que impossível ou excessivamente onerosa a passagem de outra maneira. Surge no direito de vizinhança a obrigação de não-fazer (tolerar a passagem) e o direito de receber indenização.
Como se vê, “o proprietário não perderá o poder sobre a coisa, apenas terá que suportar certos atos” no correto escólio de Maria Helena Diniz[7].
O parágrafo único do art. 1.286 assegura ao proprietário prejudicado o direito de exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como o direito de remover a passagem para outro local do imóvel, à custa deste.
Em arremate, para caso de as instalações ensejarem risco grave, surgirá ao proprietário do prédio onerado o direito de exigir a realização de obras de segurança, na forma do art. 1.287 do C.C.
Por fim, registra-se que andou bem o Código Civil de 2002 que evoluiu no instituto antes tratado no Código Civil de 1916 como servidão e agora no âmbito do direito de vizinhança, aperfeiçoando-se o sistema e a técnica jurídica.
Atenção!
Servidão e passagem forçada se confundem?
A resposta é negativa.
A passagem forçada é um instituto de direito de vizinhança, enquanto que a servidão diz respeito a um direito de gozo e fruição. Aqui já se percebe a primeira importante diferença, segundo a doutrina de Maria Helena Diniz[8]. Afinal, “o direito de vizinhança é criado por lei, para dirimir conflitos entre vizinhos”; enquanto que as servidões prediais “decorrem de lei ou de convenção, constituindo em encargos que um prédio sofre em favor de outro, para o melhor aproveitamento ou utilização do prédio beneficiado”.
Seguindo nas diferenciações, a passagem forçada aplica-se na hipótese em que houver um imóvel encravado, entendido como tal aquele que não possuir acesso à rua, nascente ou porto (CC, art. 1.285). Não é uma faculdade, mas sim uma imposição, ao passo que o imóvel encravado deverá ter garantido pelo outro o seu direito de acesso à via pública. A passagem será concedida de forma menos gravosa ao onerado e este receberá, por conta da concessão, contraprestação pecuniária.
Infere-se na servidão instituto de ratio completamente diversa. Aqui não há encravamento. Há, sim, desejo de aumento da utilidade do prédio dominante mediante uso da área serviente. Poderá ser onerosa ou gratuita e não é imposta, mas sim fruto de um acordo entre prédios de diversos proprietários.
Sintetizando o posto, adverte Flávio Tartuce[9] que a servidão não se confundirá com a passagem forçada, pois é facultativa de modo a não obrigar o pagamento de indenização. Já “a passagem forçada é compulsória, assim como o é o pagamento da indenização. A servidão é um direito real de gozo ou fruição. A passagem forçada é instituto de direito de vizinhança, presente somente na situação em que o imóvel encravado não tem saída para a via pública (art. 1285 do CC/2002). A servidão envolve os imóveis dominante e serviente; na passagem forçada estão presentes o imóvel encravado e o serviente. Na servidão cabe a citada ação confessória; na passagem forçada, para a defesa do direito, a ação cabível é denominada ação de passagem forçada”.
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[1] CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, 10ª Edição. Reais. Salvador: JusPodivm, 2014. Volume 5, p. 571.
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 7ª Edição. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2012. Volume 5, p. 360.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 26ª Edição. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2011. Volume 4, p. 299/300.
[4] CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, 10ª Edição. Reais. Salvador: JusPodivm, 2014. Volume 5, p. 572.
[5] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, 7ª Edição. Direito das Coisas. São Paulo: Método, 2015. Volume 4, p. 240.
[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 7ª Edição. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2012. Volume 5, p. 360.
[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 26ª Edição. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2011. Volume 4, p. 303.
[8] DINIZ, Maria Helena. Direitos das Coisas. 26ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 418.
[9] Tartuce, Flávio. Direito das Coisas. 6ª Edição. São Paulo: Método, 2014. p. 350.