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O conceito de parentesco e a importância do assunto

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Publicado em 15/02/2016, às 14:35

Inegavelmente, a configuração do parentesco acarreta importantes consequências jurídicas em todos os ramos do direito. No campo do direito administrativo, por exemplo, iluminado pela republicana e democrática noção de impessoalidade (art. 37, caput da CF/88), a relação de parentesco impede a nomeação de cônjuge, companheiro, parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau para o exercício de cargo, emprego ou função de confiança na mesma pessoa jurídica da autoridade nomeante.

Orlando Gomes[1] já advertia que o estudo do parentesco se revela juridicamente importante até mesmo para fins eleitorais. Esta ideia continua viva. De fato, no campo do direito eleitoral, o art. 14, §7º da Constituição, que trata da inelegibilidade, atesta que certos parentes não podem disputar eleição para cargos ocupados por outros parentes. Reza o aludido preceito que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, arrematando serem inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Por outro lado, no âmbito do direito processual civil, também repercute o tema do parentesco, por exemplo, no que tange às causas de impedimento e suspeição (cf. arts. 134 a 138, do CPC); ou mesmo em relação ao impedimento da prática do ato citatório do cônjuge nos sete dias que sucederem a morte do outro (cf. art. 217, inciso I, do CPC). Por outro lado, certos parentes são impedidos de serem ouvidos como testemunhas no processo (cf. art. 405, §2º, inciso I, do CPC).

A norma processual proíbe a citação, salvo para evitar o perecimento do direito, ao cônjuge ou a qualquer parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta, ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos 7 (sete) dias seguintes. É o tempo do luto familiar.

Ainda em termos de processo civil, não podem depor o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito. Nestes casos, ressalta-se, o parente será ouvido como mero informante do juízo, não prestando compromisso.

Por fim, no direito penal o parentesco é causa agravante da pena (cf. art. 61, inciso II, alínea e, do Código Penal) e, também, é causa de isenção de pena nos crimes contra o patrimônio (cf. art. 181, do Código Penal). Com efeito, são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime, o fato deste ter sido cometido contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge.

O parentesco também pode ensejar impedimento matrimonial, pois isto é o que prescreve o art. 1.521 do CC ao afirmar que certos parentes não podem casar. Ainda no campo do direito civil de família, o parentesco autoriza o pedido de alimentos à guisa do princípio da solidariedade familiar. O mesmo se diga no direito das sucessões, particularmente a denominada sucessão legítima, na qual o parentesco é a base da distribuição dos quinhões hereditários (CC, art. 1.829).

Estes exemplos demonstram que o estudo do chamado direito parental transborda o próprio direito de família ou, melhor, o próprio direito civil e irradia por todo o sistema jurídico. Não há escapatória. Todo o profissional do direito, ainda que não milite na área das famílias, necessariamente irá se deparar com a problemática e, não a dominando, poderá experimentar dissabores profissionais.

A busca pelo conceito apropriado do signo parentesco, muito mais do que um exercício de mera retórica acadêmica, constitui necessidade prático-profissional a todo e qualquer aplicador do direito. Conforme se alargue ou restrinja o conteúdo semântico da palavra, mais se terá ampliações ou restrições dos efeitos do direito sobre esta ou aquela pessoa tida como parente.

A noção e o conceito de parentesco estão intimamente relacionados à ideia do vínculo jurídico entre duas ou mais pessoas físicas. No dizer de Caio Mário da Silva Pereira[2], o parentesco é a mais importante e a mais constante das relações humanas, “seja no comércio jurídico, seja na vida social”.

Carlos Roberto Gonçalves[3] recorda que, em outros tempos, agnatio (agnação) era o parentesco estabelecido pelo lado masculino e cognatio (cognação) o estabelecido pelo lado feminino.

Ainda na busca da identificação do melhor conceito de parentesco, deve-se notar que este não se confunde com o conceito de família. Exemplo ilustrativo, apresentado por Pontes de Miranda[4] é o cônjuge. Apesar de pertencer a família, o cônjuge não é parente do outro cônjuge, mas apenas do parente do outro (sogro (a) e cunhando (a)).

Numa concepção clássica, o parentesco era conceituado como uma relação jurídica entre duas ou mais pessoas que descendem do mesmo tronco comum. Esta perspectiva é insuficiente, contudo, na atualidade, tendo em vista o tecido constitucional a impor, como vimos acima, novos arranjos parentais.

O conceito contemporâneo de parentesco deve abranger, portanto, as relações legais, socioafetivas, biológicas, civis e tecnológicas.

Para Maria Helena Diniz[5] grande será a importância do tema ante os efeitos jurídicos de ordem pessoal ou econômica, que estabelecem direitos e deveres recíprocos entre os parentes, no âmbito dos alimentos, herança e interdição. Também adverte que o parentesco impõe certas restrições com fundamento na sua ocorrência, como na seara dos impedimentos matrimoniais, processuais, eleitorais etc.

Portanto, para a notável civilista[6], o parentesco seria uma relação jurídica existente não apenas entre pessoas que descendem da mesma ancestralidade, como também entre o cônjuge ou o companheiro e os respectivos parentes do outro, entre o adotante e o adotado e, finalmente, entre o pai institucional e o filho socioafetivo.

Pontes de Miranda[7] conceituava parentesco como a relação apta a vincular entre si pessoas descendentes umas das outras, por sangue ou por afinidade, também admitindo aquele constituído por fictio iuris pela adoção. Como se vê, na contemporaneidade os conceitos clássicos serão insuficientes ante as mudanças culturais e tecnológicas.

Como visto acima, os conceitos apresentados doutrinariamente se harmonizam com o próprio art. 1.593 do CC, que reconhece a possibilidade tanto do parentesco natural, quanto do civil, “conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.

Carlos Roberto Gonçalves[8], de maneira muito clara e direta, destaca que o emprego da expressão outra origem constitui um grande avanço do atual Código em relação ao anterior, que considerava parentesco civil apenas o da adoção.

O Enunciado 103 do CJF, ao estabelecer análise sobre o aludido preceito normativo, afirma categoricamente que o Código Civil brasileiro admite outras espécies de parentesco civil, além daquele decorrente da adoção, acolhendo, pois, a possibilidade do parentesco decorrer ainda da reprodução assistida homóloga, heteróloga, da adoção e, até mesmo, da socioafetividade.

Interessante a reflexão de Luiz Edson Fachin[9] ao afirmar que o conceito de parentesco constitui uma “moldura a ser preenchida” pela via da vida “na qual pessoas espelham sentimentos”.

Para se aprofundar:

CURSO INTENSIVO PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS
CURSO PREPARATÓRIO PARA CARREIRA JURÍDICA – MÓDULOS I E II
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CIVIL


[1].      Introdução ao Direito Civil. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 331.

[2].      PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. V. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 309.

[3].      GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 6: Direito de Família. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 295.

[4].      MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito de Família. Campinas: Bookseller, 2001, p. 23.

[5].      DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 469.

[6].      DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 431.

[7].      MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito de Família. Vol. III, §201, Campinas: Bookseller, 2001, p. 21.

[8].      GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 6: Direito de Família. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 296.

[9].      FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: elementos críticos à Luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29.

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