No dia 26 de junho do ano corrente foi sancionada a Lei n. 13.460, dispondo sobre a participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários de serviços públicos, que para a sua elaboração contou com a participação do Ministério da Transparência e da Controladoria-Geral da União (CGU), tratando também sobre as atribuições e deveres das ouvidorias públicas.
Tal norma veio regulamentar o art. 37, § 3º, da Constituição Federal que dispunha acerca da necessidade de edição de lei que disciplinasse as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.
A lei, assim, tem por fim garantir as formas de participação da sociedade e de avaliação periódica da qualidade dos serviços públicos.
A lei prevê entre os direitos básicos do usuário a igualdade no tratamento, vedado qualquer tipo de discriminação; atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e as prioridades asseguradas por lei; aplicação de soluções tecnológicas para simplificar processos e procedimentos, entre outros. Dispõe ainda que os órgãos terão de disponibilizar e atualizar periodicamente uma Carta de Serviço ao Usuário, com informações claras a respeito do serviço prestado, tempo de espera para atendimento, prazo máximo e locais para reclamação, entre outros serviços. Tais regras direcionam-se aos serviços prestados por órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, contemplando o Executivo, Legislativo e Judiciário, além de entidades que prestam serviços públicos de forma delegada.
No que concerne às ouvidorias, estas são definidas como o canal de entrada das manifestações, bem como orienta que cada Poder e esfera de governo disponha de atos normativos específicos acerca da organização e funcionamento desses espaços de controle e participação social, que atuam como interface entre sociedade e Estado. A lei determina ainda que órgãos e entidades deverão medir anualmente o índice de satisfação dos usuários e a qualidade do atendimento prestado, contemplando assim, a avaliação cidadã dos serviços públicos.
Apesar da demora de sua edição, considerando a previsão constitucional e de já ter sido objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO n. 24) ingressada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitando que fosse determinada pelo Supremo Tribunal Federal a edição da lei e, enquanto não cumprida a determinação, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor – e neste ponto não foi autorizada a incidência provisória do CDC, salvo o entendimento jurisprudencial no que toca aos serviços públicos, em especial os remunerados mediante tarifa. Em aspectos gerais, a norma representa um avanço importante no que diz respeito ao atendimento ao cidadão, com sua participação, tendo por fim compreender melhor as suas necessidades e garantir a prestação de um serviço de qualidade à sociedade.
Críticas
No entanto, há alguns pontos na nova lei que foram objeto de crítica dos juristas:
– O texto legal se mostra superficial e impreciso, se considerada a complexidade do tema “serviços públicos”, inclusive em sua conceituação que se mostra ambígua e imprecisa;
– A lei além de regulamentar o disposto no art. 37, § 3º, da CF/88, intenta alcançar ainda o que prevê o parágrafo único, incs. II e IV do art. 175 da CF/88: “A lei disporá sobre: II – os direitos dos usuários; IV – a obrigação de manter o serviço adequado.” Referindo-se tal dispositivo aos serviços públicos em sentido estrito, denominados de privativos ou exclusivos de Estado, os quais encontram mecanismos de controle melhor estabelecidos na legislação infraconstitucional (Lei 8.987/95 – Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos) ou em função da sua respectiva regulamentação setorial.
– Em seu art. 1o, § 3o, prevê a sua aplicação apenas subsidiária no caso dos serviços prestados por particular, mas não dispõe acerca de quais leis sua aplicação se dará de forma subsidiária, bem como de quem seria esse particular;
– No § 2º do art. 1º é reconhecida a validade da aplicação do CDC quando a relação for de consumo, todavia não estabelece a aplicação subsidiária entre o CDC e a Lei n. 13.460; e, não afasta as normas específicas “quando se tratar de serviços sujeitos a regulação ou supervisão”;
– Em seu art. 2º, inc. II, define o que é serviço público para os seus próprios fins, se utilizando da noção ampla de serviço público, referindo-se a qualquer atividade administrativa; e ainda faz menção expressa à noção mais restrita referindo-se à “prestação direta e indireta de bens ou serviços à população”. No entanto, no dispositivo sob comento se utiliza de uma expressão equivocada ao definir os sujeitos prestadores, dizendo que será serviço público a atividade “exercida” por órgão ou entidade da Administração. Mas o art. 1º afirma que a incidência se dá para serviços públicos prestados “direta ou indiretamente”, seria mais adequado utilizar a expressão “titularizada” no lugar de “exercida”.
– Sobre a definição subjetiva de Administração Pública disposta no inc. III do art. 2o, restringe o conceito às entidades designadas: “órgão ou entidade integrante da administração pública de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública” não fazendo menção expressa ao Ministério Público e aos Tribunais de Contas.
– A CF/88 em seu art. 37, § 3º, dispôs que a lei deveria regulamentar os seus três incisos, no entanto, o inc. II, fora contemplado com a edição da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11), restando regulamentar os incs. I e III. No entanto, a Lei n. 13.460/17 trata do disposto no inc. I, mas não disciplina o inc. III, que exigia “a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública”. Sobre isso a lei não é específica, restando à Lei n. 4.898/65 tratar da matéria.
– A lei traz disposições acerca das ouvidorias, mas seu texto não impõe que todos os órgãos públicos estejam submetidos a alguma ouvidoria. Outros pontos sobre o tema dizem respeito à hipótese de incompatibilidade legislativa entre as normas específicas de cada órgão e se algumas normas contidas na nova legislação não afrontariam a competência legislativa específica dos demais entes federativos.
Estas questões devem ser dirimidas ao longo da aplicação da nova norma bem como das compreensões decorrentes de sua análise e um adequado respaldo orgânico e funcional será fundamental para a sua efetividade.
Por fim, a lei entrará em vigor, a contar da sua publicação, em: I – trezentos e sessenta dias para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de quinhentos mil habitantes; II – quinhentos e quarenta dias para os Municípios entre cem mil e quinhentos mil habitantes; e III – setecentos e vinte dias para os Municípios com menos de cem mil habitantes.
Sobre Cristiano Sobral
Cristiano Sobral é doutorando em Direito. Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor na FGV, na Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro, na Fundação Escola da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, no Complexo de Ensino Renato Saraiva e na Fundação Escola do Ministério Público do Rio de Janeiro. Professor universitário, palestrante e autor de diversas obras jurídicas.
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