Segundo Limongi França[1] “usufruto é o desmembramento da propriedade, de caráter temporário, em que o titular tem o direito de usar e perceber os frutos da coisa, sem afetar-lhe a substância”.
Forte no conceito clássico romano, Carlos Roberto Gonçalves[2] sintetiza o usufruto como “o direito de usar uma coisa pertencente a outrem e de perceber-lhes os frutos, ressalvada sua substância (usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi, salva rerum substantia)”.
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[3] o usufruto pode ser conceituado “como direito real temporário concedido a uma pessoa para desfrutar um objeto alheio como se fosse próprio, retirando suas utilidades e frutos, contudo sem alterar-lhe a substância”.
Lembra Flávio Tartuce[4] que o usufrutuário receberá diante disto os atributos de usar (utilizar) ou fruir (gozar) da coisa sendo esses “atributos diretos, que formam o domínio útil”.
Pois bem. O usufruto – cujo objeto pode ser tanto bens móveis, como em imóveis – constitui direito real na coisa alheia a permitir ao usufrutuário (beneficiário do usufruto) a posse, o uso, a administração e a percepção dos frutos do respectivo bem (CC, 1390 e 1394).
Atenta à fungibilidade do objeto, Maria Helena Diniz[5] subdivide o usufruto em próprio ou impróprio (quase usufruto), a saber:
– Usufruto próprio: é aquele que recai sobre bem insubstituível (infungível e inconsumível). Logo, neste caso haverá sempre a obrigação do usufrutuário em restituir o mesmo bem, o que impõe, por consequência lógica, o dever jurídico de conservar a coisa. É de Carlos Roberto Gonçalves[6] a assertiva segundo a qual o usufruto próprio “é o que tem por objeto coisas inconsumíveis e infungíveis, cujas substâncias são conservadas e restituídas ao nu-proprietário”.
– Usufruto impróprio ou quase usufruto: é aquele que recai sobre um bem substituível (fungível, consumível). Por esta razão, o usufrutuário poderá consumir a coisa, obrigando-se apenas a restituir outra da mesma quantidade, espécie e qualidade. O quase usufruto, a bem da verdade, possui natureza de empréstimo, contrato de mútuo.
Formas de Constituição:
Segundo Carlos Roberto Gonçalves[7] “O usufruto pode constituir-se por determinação legal, ato de vontade e usucapião”. Assim também entendemos. Nessa ótica, possível falar em três formas de constituição do usufruto: a) Convencional ou Voluntário (liga-se à autonomia privada); b) Legal ou Cogente (ex: CF, arts. 231, §2º) e c) Judicial (CPC, art. 716 e seguintes).
Em todas as modalidades a Lei de Registros Públicos (art. 167, I) e o CC/02 (art. 1391) exigem o registro público caso seja usufruto sobre imóveis que não resulte de usucapião e nem de título legal. Tal registro tem natureza constitutiva do direito. Quanto aos bens móveis, a mera tradição já é bastante para constituição do usufruto.
Outrossim, ainda em todas as modalidades, incidirá a teoria da gravitação jurídica – segundo a qual o acessório seguirá a sorte do principal. Logo, é natural reconhecer que o usufruto se estenderá aos acessórios da coisa e seus acrescidos.
Dito isto, avança nas modalidades de constituição.
O usufruto poderá ser constituído por meio convencional ou voluntário; vale dizer, em decorrência da autonomia privada. Exemplifica-se com o testamento ou um contrato devidamente registrado. Infere-se modalidade de usufruto que efetivamente surge de um negócio jurídico, demandando o registro público na hipótese de imóveis, conforme escólio de Carlos Roberto Gonçalves[8]. No mesmo sentido, o art. 1.391 do CC, segundo o qual o usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.
O usufruto legal, de seu turno, é o cogente, imposto pela lei. Aqui não há manifestação de vontade constitutiva, mas sim norma impositiva.
Um belo exemplo do usufruto constituído por determinação legal é o dos genitores sobre o patrimônio de seus filhos menores (CC, 1.689, I). Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[9] esta modalidade de usufruto não teria natureza propriamente de direito real, mas constituiria tão somente uma hipótese de compensação normativa em benefício dos genitores, em função dos “encargos de administração do patrimônio de prole”. Esta parece ser a opinião majoritária da doutrina. Carlos Roberto Gonçalves[10] afirma que “este usufruto é, apenas, uma compensação dos encargos e trabalho que os pais têm com o sustento e educação dos filhos, bem como na administração dos respectivos bens”. O usufruto legal decorrente da autoridade parental não exige registro público para se constituir, muito menos a prestação de contas.
Maria Helena Diniz[11] recorda outras hipóteses de usufruto legal: “do cônjuge sobre os bens do outro, quando lhe competir tal direito (CC, art. 1652, I)” e o usufruto dos silvícolas, “conforme estatui a Constituição de 1988, no art. 231, §2º, e no art. 67 das Disposições Transitórias”.
Com efeito, na forma do art. 20, XI da Constituição Federal o usufruto indígena existirá sobre o patrimônio da União nos quais índios estejam a viver. Também haverá usufruto em benefícios dos silvícolas sobre as riquezas do solo, rios e lagos (CF, art. 231, §2º). Trata-se de uma interessante hipótese de direito real de gozo e fruição sobre bem público federal. Trata-se de um “heterodoxo instituto de Direito Constitucional, e não uma ortodoxa figura de Direito Civil”, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, no caso Raposa do Sol[12].
O usufruto judicial (CPC, arts. 716/724) surge para a situação jurídica na qual o credor realiza o pagamento de um débito decorrente de condenação processual por meio do usufruto de seu imóvel ou de sua empresa. Neste caso, o usufruto surge no contexto de uma fase de execução quando o Juiz da Causa impõe o usufruto durante um específico interregno visando dar efetividade ao comando decisório e realizar a quitação do devido, por força do título judicial condenatório. Na prática processual chama-se isto de penhora sobre a renda ou penhora sobre o faturamento de uma empresa.
Uma outra situação semelhante a esta é prevista na Lei Federal nº 11.110/05 (Lei de Recuperação Judicial), quando o usufruto serve para realizar o crédito e, ao mesmo tempo, manter viva a pessoa jurídica (art. 50, XIII).
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[13] sustentam uma interessante modalidade de usufruto judicial: o usufruto de alimentos (art. 21 da Lei do Divórcio), o qual “constitui modo alternativo de pagamento do débito alimentar, quando as fontes normais de recursos do alimentante não forem de fácil comprovação, fato corriqueiro entre empresários e profissionais liberais”.
Na oportunidade, recorde-se que o art. 647, IV do CPC admite o usufruto como hipótese de expropriação judicial, seja sobre bem móvel, seja imóvel.
Falando-se genericamente sobre todas as modalidades de usufruto, ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[14] que este usufruto poderá ser:
a) particular, para o caso de envolver apenas um bem específico;
b) universal, em sendo seu objeto um quinhão, uma universalidade indivisível;
c) pleno, quando envolver absolutamente todos os frutos e utilidades e
d) restrito, quando a fruição for restrita.
Este usufruto legal, convencional, ou judicial, como visto acima, pode se dar sobre o bem principal e seus acessórios (usufruto pleno ou total), mas também poderá ocorrer sobre apenas o objeto principal, sem os acessórios e acrescidos (usufruto parcial ou restrito).
De acordo com a legislação em vigor, o usufruto pode ser por tempo determinado (usufruto temporário ou a termo), ou ainda por toda a vida (usufruto vitalício).
Características do Usufruto:
Nas pegadas da doutrina de Carlos Roberto Gonçalves[15], o usufruto possui importantes características:
a) Constitui Direito Real na Coisa Alheia – o usufruto não é servidão pessoal. Seu objeto é bem móvel ou imóvel. Seu conteúdo é o gozo e a fruição do bem. Por ser direito real, será constituído a partir do registro público (em regra) e, assim, tornar-se-á direito absoluto (oponível erga omnes).
b) Vigora por tempo determinado – o usufruto não é perpétuo. Extingue-se com o óbito do usufrutuário. Para as pessoas jurídica há prazo máximo obrigatório de 30 (trinta) anos, após o qual o usufruto também se extinguirá.
c) É insuscetível de alienação e impenhorável – A teor do art. 1.383 do CC, o usufruto não pode ser vendido ou doado à terceiros, ante o seu caráter personalíssimo no tocante ao usufrutuário. Esta inalienabilidade faz concluir que o legislador não desejou que o usufruto se transmitisse, seja por ato inter vivos, seja por ato causa mortis. A lei civil autoriza apenas a cessão do exercício deste usufruto, ou de arrendamento (CC, 1.399).
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[1] Limongi França, Rubens. Instituições de Direito Civil. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 490.
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 478.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 10ª Edição. Salvador: JusPodivm. 2014, p. 709.
[4] Tartuce, Flávio. Direito das Coisas. 6ª Edição. São Paulo: Método, 2014. p. 364/365.
[5] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 438. No mesmo sentido Cristiano Chaves de Farias, Luciano Figueiredo, Marcos Ehrhardt Júnio e Wagner Inácio Freitas Dias, in Código Civil para Concursos. 2ª Edição. Salvador. JusPodivm, 2014. p. 893.
[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 486.
[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 482.
[8] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 484.
[9] FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 10ª Edição. Salvador: JusPodivm. 2014, p. 717.
[10] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 482.
[11] DINIZ, Maria Helena. Direitos das Coisas. 26ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 451.
[12] Supremo Tribunal Federal. Petição 3388/RR. Caso Raposa do Sol. Ministro Relator Carlos Britto.
[13] FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 10ª Edição. Salvador: JusPodivm. 2014, p. 694.
[14] FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 10ª Edição. Salvador: JusPodivm. 2014, p. 721.
[15] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 480.