Esta perspectiva classificatória deve ser considerada a partir do elemento virtual das obrigações e da teoria dualista, os quais distinguem a prestação da responsabilidade civil.
Deste modo, as obrigações naturais e morais podem ser classificadas como obrigações imperfeitas ou incompletas[1], porque destituídas da coercibilidade. Exemplo ilustrativo são as obrigações prescritas. Nelas não é possível constranger o patrimônio do devedor, apesar de o ordenamento jurídico admitir que este pague: existe o shuld (débito), porém sem o haftung (responsabilidade).
Apenas para ilustrar, segue a ementa da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre obrigação natural:
“RECURSO INOMINADO. ENSINO PARTICULAR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DÍVIDA PRESCRITA. OBRIGAÇÃO NATURAL. RESTITUIÇÃO DESCABIDA. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO”. (Recurso Cível Nº 71004575957, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Silvia Muradas Fiori, Julgado em 12/12/2013).
A dívida prescrita (CC, art. 882), a dívida resultante de jogo e aposta não legalizados (CC, art. 815) e o mútuo feito a menor sem a prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver (CC, art. 558), são exemplos de obrigações imperfeitas.
A gorjeta também é exemplo de obrigação natural. A expressão vem de gorja, ou seja, garganta, como aquilo que se dá para esquentar a garganta do trabalhador, o cafezinho ou outra bebida preferida. Relaciona-se, pois, ao beber e não ao comer, na lição de Flávio Tartuce[2].
Apesar das obrigações naturais não serem exigíveis, pois desprovidas de responsabilidade, é importante lembrar que se forem adimplidas voluntariamente e sem qualquer vício de consentimento, o pagamento é juridicamente válido e eficaz. Assim, fica vedada a devolução (não pode ser repetido), pois há o débito, o que se denomina tecnicamente de soluti retentio[3]. Em síntese, portanto, as obrigações naturais são inexigíveis e irrepetíveis.
As obrigações civis são as completas e perfeitas, porque além de prescreverem a conduta, vinculam patrimonialmente o devedor que deixar de observá-la: existe o shuld (débito) e o haftung (responsabilidade) ao mesmo tempo. Geram exigibilidade patrimonial, respondendo os bens do devedor pelo inadimplemento[4].
[1]. O tema já fora enfrentado nesta obra, ao tratarmos dos elementos do direito obrigacional e realizarmos o estudo do débito e da responsabilidade.
[2]. In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método. 2009.
[3]. Retenção do pagamento, que é direito de quem o recebeu a integrar-lhe o patrimônio desde então, ou seja, direito adquirido.
[4]. O tema já fora enfrentado nesta obra, ao tratarmos dos elementos do direito obrigacional e realizarmos o estudo do débito e da responsabilidade.