A crise hídrica em São Paulo não é problema de falta de água. A terra da garoa, rodeada por rios, nascentes e Mata Atlântica densa, localizada no seio da chuvosa Serra do Mar, que sofre com inundações todos os verões, foi fundada nessa região justamente pela fartura de água e fertilidade de seu solo.
A falta de cuidados com os abundantes recursos disponíveis cimentou os solos férteis, devastou a Mata Atlântica e lotou os rios de fezes, criando o pior cartão de visita que uma metrópole pode oferecer a seus visitantes: quem chega a São Paulo é recebido com o fedor da podridão. A água está aí, mas, simplesmente, não serve.
Culpa dos governos, que não souberam planejar os recursos e o futuro, certo?
Analisemos além dos governos. A crise financeira das famílias também passa pela dificuldade em lidar com a disponibilidade. No Brasil, 65% das pessoas lamentam estar endividadas, recorrendo ao cheque especial ou ao rotativo no cartão. No fim do mês, os números se avermelham, mesmo sem a ocorrência de grandes imprevistos.
A crença é que ganhar mais resolveria o problema. Errado! Imagine todos os meses seu saldo negativo em R$ 200. Essa dívida não planejada, que o leva a pagar juros indesejáveis e que diminuem mais ainda sua capacidade de consumo, não significa necessariamente que você consumiu mais do que ganhou. Afinal, se seu consumo custasse R$ 200 a mais do que seus ganhos, haveria o efeito cumulativo, faltando R$ 200 no primeiro mês, R$ 400 no segundo, R$ 600 no terceiro e assim por diante, fora os juros.
A falta regular de recursos denota um problema de fluxo de caixa. Em algum momento, você usou dinheiro com o que não deveria, e esse uso resultou na falta permanente. Poderia ter sido na compra de um bem, mas, conhecendo os velhos hábitos brasileiros de comprar a prazo e de aproveitar promoções a qualquer custo, é provável que esse dinheiro gasto não tenha se transformado ainda em consumo.
Faça um teste: quantos reais você investiu em produtos armazenados, ainda sem uso, na despensa de sua cozinha? Quantos litros de combustível há no tanque do carro? Quantos livros você comprou e não leu? Possui quantos eletrodomésticos com pouco uso, que poderiam ser vendidos? Quantas roupas compradas em promoção ainda não foram usadas? Esse estoque sem uso nas casas das famílias não seria um problema se o dinheiro não estivesse faltando. Há quem acredite ser um bom negócio comprar roupas com 50% de desconto, sem perceber que, quando isso resulta no uso do rotativo do cartão, o custo é de mais de 300% ao ano.
Incoerências. Não é só seu governo que planeja mal os recursos. Elegemos os representantes de uma sociedade não habituada à educação financeira e ao planejamento. Os erros do governo são espelho dos erros das famílias. É preciso mudar, sem dúvida. Que comecemos por nossa casa, então.
Fonte: Coluna Gustavo Cerbasi/Época
Gustavo Cerbasi é Mestre em Administração/Finanças pela FEA/USP, formado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com especialização em Finanças pela Stern School of Business – New York University e pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Foi eleito pela revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes.
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