A terceirização no Brasil surgiu em 1966, de forma discreta, com a norma que possibilitou a contratação de seguranças pelas agências bancárias. Em 1974, foi editada a Lei de Trabalho temporário, Lei 6.019/74, possibilitando a terceirização, no meio urbano, para atender à necessidade temporária de substituição de colaborador permanente da empresa ou mesmo no caso de acréscimo extraordinário de serviços. Já em 1986, o TST editou o antigo enunciado 256, limitando a terceirização aos casos de trabalho temporário e setor de vigilância.
Em 1993, surge a atual Súmula 331 do TST, a qual proíbe, em regra, a terceirização de atividade fim da empresa, limitando a utilização de empresa interposta nos casos de atividades meio, como os serviços de vigilância, limpeza, portaria, telefonia, recepção, etc, além do trabalho temporário da Lei 6.019/74.
E por incrível que pareça, fora a Lei de Trabalho Temporário (6019/74), o Brasil não possui qualquer legislação regulamentando a terceirização, sendo todo o mercado de trabalho e empresas orientadas tão somente pelo entendimento da Corte maior trabalhista (S. 331 TST).
É neste escopo que, em 2004, foi lançado o Projeto de Lei 4330, o qual, após 10 anos de tramitação, foi recentemente votado pela Câmara dos Deputados e vem sendo objeto de ampla e interminável discussão por toda a sociedade, mídia e operadores do direito.
O Projeto de Lei 4.330/2004 deixa claro que é “lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante que obedeça aos requisitos previstos nesta Lei, não se configurando vínculo de emprego entre a contratante e os empregados da contratada, exceto se verificados os requisitos previstos nos arts. 2º e 3ºda Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452,de 1ºde maio de 1943”.
De fato, a regulamentação da terceirização é necessária e tem seus benefícios. As empresas contratantes ganham mais segurança jurídica, afastando possíveis processos trabalhistas e ampliando o poder de investimento e geração de emprego. A legislação vigente já não atende mais as práticas modernas de produção, e a flexibilidade dos contratos terceirizados supre essa carência. A regulamentação ainda induz a criação de novas empresas especializadas, iguala as condições empresarias à tendência mundial da terceirização, e estimula a responsabilidade social com a maior exigência de fiscalização.
Todavia, não obstante as manifestações favoráveis ao Projeto de Lei nº 4.330/2004, somos totalmente contrários a terceirização indiscriminada e generalizada proposta pelo projeto, que, se aprovado e transformado em lei, representará um retrocesso na garantia dos direitos sociais da classe trabalhadora desse país.
Considerando que o salário pago aos terceirizados é em média 24% menor do que os empregados contratados diretamente (estudo realizado pelo Dieese), haverá precarização das relações do trabalho com diminuição do custo através das terceirizações. No setor bancário, a diferença é ainda maior: eles ganham em média um terço do salário dos contratados. Segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo, eles não têm participação nos lucros, auxílio-creche e jornada de seis horas.
Os trabalhadores terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana do que contratados diretamente. Com mais pessoas laborando em jornadas maiores, deve cair o número de vagas em todos os setores.
Outro dado importante: os terceirizados são os empregados que mais sofrem acidentes. Na Petrobras, mais de 80% dos mortos em serviço entre 1995 e 2013 eram subcontratados. A segurança é prejudicada porque companhias de menor porte não têm as mesmas condições tecnológicas e econômicas. Além disso, elas recebem menos cobrança para manter um padrão equivalente ao seu porte.
Ao mesmo tempo, a ampliação da terceirização deve provocar uma sobrecarga adicional ao SUS (Sistema Único de Saúde) e ao INSS. Segundo ministros do TST, isso acontece porque os trabalhadores terceirizados são vítimas de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais com maior frequência, o que gera gastos ao setor público.
A maior ocorrência de denúncias de discriminação está em setores onde há mais terceirizados, como os de limpeza e vigilância, segundo relatório da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com refeitórios, vestiários e uniformes que os diferenciam, incentiva-se a percepção discriminatória de que são trabalhadores de “segunda classe”.
Terceirizados que trabalham em um mesmo local têm patrões diferentes e são representados por sindicatos de setores distintos. Essa divisão afeta a capacidade deles pressionarem por benefícios. Isolados, terão mais dificuldades de negociar de forma conjunta ou de fazer ações como greves.
O uso de empresas terceirizadas é um artifício para tentar fugir das responsabilidades trabalhistas. Entre 2010 e 2014, cerca de 90% dos trabalhadores resgatados nos dez maiores flagrantes de trabalho escravo contemporâneo eram terceirizados, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Casos como esses já acontecem em setores como mineração, confecções e manutenção elétrica.
A Lei de Cotas (Lei 8.213/1991) determina que toda empresa com 100 ou mais empregados reserve de 2% a 5%, dependendo do total de funcionários, das vagas para pessoas com deficiência. Com a possibilidade de terceirização de todas as atividades, incluído as finalísticas, as companhias podem não alcançar esse número mínimo de trabalhadores e, dessa forma, não terão obrigação de contratar o percentual definido por lei.
Assim, entendemos que o grande objetivo da terceirização é tornar os processos de produção mais eficazes e não servir de instrumento desagregador das relações de trabalho, como pode vir acontecer caso o texto da atual proposta de lei não sofra alterações.
* Artigo escrito por Renato Saraiva e originalmente publicado em 14/04/2016.
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