Postado por Ana Laranjeira
Artigo do correspondente nos Estados Unidos João Ozorio de Melo para a revista Consultor Jurídico
Quando os jurados passam pela porta de um Tribunal do Júri pela primeira vez, eles entram em um território desconhecido. E vão lidar com o desconhecido, até que todo o processo, todo o caso, se desvende a seus olhos. Mas eles não conseguem fazer isso sozinhos. Precisam de um guia. Dois profissionais tarimbados vão se esforçar para cumprir bem essa função. Mais apenas um será o guia de preferência dos jurados: o que conquistar a confiança deles.
Assim o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do TrialTheater, passou a ver o Tribunal do Júri, depois de fazer uma turnê por um rio cercado de florestas e perigos. Todo o medo e toda a preocupação inicial se dissiparam logo que ele percebeu que tinha um guia excepcional. Como no passeio por um rio infestado de hipopótamos, jacarés e outras promessas de perigo, os conhecimentos intelectuais de um guia são de extrema importância. No entanto, o que acaba cativando turistas — e jurados na aventura do Tribunal do Júri — são fatores psicológicos, emocionais e comportamentais, que despertam a confiança dos “guiados”.
Wilcox apresenta alguns fatores que ajudam a cativar os jurados e despertar neles a impressão de que um advogado (ou promotor) é o melhor guia para conduzi-los pelo território desconhecido de um julgamento. Para que eles cheguem com segurança ao destino final, o veredicto, ele recomenda:
1. Seja sincero. Para isso, não há fórmulas mágicas, não há regras a serem seguidas, não há uma lista de “dicas”. “Ou você é sincero ou não é. Não há conselho que possa ajudá-lo a aprender a ser sincero”, ele diz. No tribunal, o advogado (ou promotor) é sincero quando ele apresenta aos jurados um caso (com os fatos, provas, argumentos e alegações) no qual ele acredita. Quando ele não acredita no caso, os jurados sentem que alguma coisa está errada, mesmo que não consigam explicar racionalmente o que seja. Assim, se o “candidato à guia dos jurados” não está convencido de que seu caso é forte, é melhor rever todo o caso e toda sua sustentação jurídica, para chegar a uma defesa (ou acusação) em que ele mesmo acredita. Do contrário, melhor pensar em alternativas.
2. Não peça aos jurados que acreditem no impossível. Todo advogado (ou promotor), ao iniciar um julgamento, abre uma conta, cujo título é “credibilidade”. Durante todo o julgamento, ele vai fazendo depósitos nessa conta, até que ela se torne visível para os jurados. “Quando você pede aos jurados para acreditar em algo impossível ou que não faz sentido, você faz um grande saque na sua conta. Você está pedindo a eles para acreditar em você, em vez de levar em conta uma vida inteira de experiências próprias. Você não vai se sair bem”, diz o professor.
Advogados e promotores se especializam em examinar nuanças às minúcias. São capazes, por exemplo, de ler as letras minúsculas no pé de um anúncio publicitário, o que a maioria das pessoas não faz. A maioria das pessoas se orienta pelo que elas acham que é o bom senso, não por um emaranhado de referências técnicas que parecem desafiar a lógica. Por isso, é recomendável que o advogado (ou o promotor), quando realmente quer ganhar um caso, apresente seus argumentos a uma pessoa leiga, para ela lhe dizer se faz sentido. Quanto mais os argumentos forem alinhados com o bom senso, a justeza e às expectativas gerais, melhor as chances do profissional se tornar o guia dos jurados.
3. Não seja obstrucionista. Os jurados querem conhecer os fatos, as provas, os testemunhos e os argumentos que os levem a entender melhor o caso, para que possam formar uma opinião. Se o advogado (ou promotor) protesta com muita frequência, os jurados tendem a pensar que ele está tentando esconder “algum perigo depois da curva do rio” — ou fatos que podem decidir o caso. Protestos devem ser feitos com moderação. Apenas o necessário. Mesmo que o juiz esclareça aos jurados que é função de uma parte protestar, mesmo que declare aos jurados que o advogado (ou promotor) não está sendo julgado, os jurados tendem a pensar que ele está tentando impedir que a verdade venha à tona.
4. Não tente tergiversar na rememoração dos fatos ou dos testemunhos. O profissional não deve sequer tentar contornar um pouco as coisas, para que elas soem melhor aos ouvidos dos jurados. Coletivamente, os jurados têm uma lembrança dos fatos, dos testemunhos, das provas melhor do que a dele. Pode ser uma quebra de confiança irrecuperável. No mínimo, poderá prejudicar sua credibilidade. Nesse ponto, o advogado (ou promotor) abdica de seu cargo de guia, para assumir o de vendedor “enrolão”, pois foi isso o que fez: tentar “enrolar” os jurados.
5. Admita fraquezas do caso. De preferência, antes que o oponente as trombeteie. E que o “anúncio” da fraqueza de seu caso se torne um sucesso no julgamento. Ao anunciar primeiro algum ponto fraco do caso, o profissional retira o vento forte que ia soprar a favor do barco de seu oponente. Quando o oponente mencionar o caso, os jurados tendem a pensar: “Sim, já sabíamos disso. Não é novidade”. Se o advogado expõe os pontos fortes e fracos de seu próprio caso, ele é o melhor guia para conduzir os jurados pelo território desconhecido do julgamento.
Se o oponente, por sua vez, não mencionar algum ponto fraco relevante do caso, o advogado (ou promotor) poderá lembrar os jurados que esse é um problema tão sério que a outra parte sequer tocou nesse assunto. Sabe que não há resposta, não há explicação para esse problema, por isso preferiu esperar que passasse despercebido. Mas a ele cabe esclarecer (ou guiar) os jurados.
6. Seja autêntico. O advogado (ou promotor) não deve tentar imitar os melhores criminalistas do país e nem mesmo um colega mais experiente, que tem um estilo admirável. Em todas as situações, deve ser ele mesmo. E não é só ele. Seus clientes e testemunhas devem ser autênticos: usar as roupas com as quais estão acostumados, falar como sempre o fazem, se comportar de maneira normal. Seus argumentos devem ser autênticos. Isto é, não deve enveredar por caminhos que levem os jurados a suspeitar que seus argumentos são falsos, porque tudo o mais pode parecer falso. Só agindo sem qualquer tipo de falsidade, seu caso vai garantir o selo de autenticidade, conferido pelos jurados.
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