Decisão do Superior Tribunal de Justiça publicada no informativo 592:
Tema:
Estupro circunstanciado (art. 213, § 1º, do CP). Vítima maior de 14 anos e menor de 18 anos. Ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Configuração do crime na modalidade consumada. Atipicidade afastada.
Destaque:
Subsume-se ao crime previsto no art. 213, § 1º, do CP – a conduta de agente que abordou de forma violenta e sorrateira a vítima com a intenção de satisfazer sua lascívia, o que ficou demonstrado por sua declarada intenção de "ficar" com a jovem – adolescente de 15 anos – e pela ação de impingir-lhe, à força, um beijo, após ser derrubada ao solo e mantida subjugada pelo agressor, que a imobilizou pressionando o joelho sobre seu abdômen.
Inteiro teor
Tratou-se de recurso especial em que se apontou, entre outras questões, a negativa de vigência ao art. 213, § 1º, do CP, ao fundamento de que a Corte a quo negou as premissas fáticas delineadas nos autos, para entender que não houve o estupro circunstanciado.
Nesse sentido, o recorrente insistiu que a conclusão adotada era incompatível com a narrativa, pois teria descrito todos os elementos do delito em comento, mas se negado a aplicar a respectiva pena. Isso porque se teria comprovada, de forma inequívoca, a violência reveladora da ofensa à dignidade sexual da vítima, não havendo que se falar apenas em "beijo roubado".
O aresto impugnado informou que o réu abordou de forma violenta e sorrateira a vítima – adolescente de 15 anos – com a intenção de satisfazer sua lascívia, o que ficou demonstrado por sua declarada intenção de "ficar" com a jovem e pela ação de lhe impingir, à força, um beijo libidinoso, após ser derrubada ao solo e mantida subjugada pelo agressor, que a imobilizou pressionando o joelho sobre seu abdômen. A agressão sexual somente não prosseguiu porque o recorrido percebeu a aproximação de indivíduos em uma motocicleta.
Sem embargo, o Tribunal estadual emprega argumentação que reproduz o que se identifica como a cultura do estupro, ou seja, a aceitação como natural da violência sexual contra as mulheres, em odioso processo de objetificação do corpo feminino. Reproduzindo pensamento patriarcal e sexista, ainda muito presente em nossa sociedade, a Corte de origem entendeu que o ato não passou de um "beijo roubado".
A propósito, deve-se ter em mente que estupro é um ato de violência (e não de sexo). Busca-se, sim, a satisfação da lascívia por meio de conjunção carnal ou atos diversos, como na espécie, mas com intuito de subjugar, humilhar, submeter a vítima à força do agente, consciente de sua superioridade física.
Consoante já consolidado pelo STJ, o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, que caracteriza o crime de estupro, ao lado da conjunção carnal, inclui "toda ação atentatória contra o pudor praticada com o propósito lascivo, seja sucedâneo da conjunção carnal ou não, evidenciando-se com o contato físico entre o agente e a vítima durante o apontado ato voluptuoso" (AgRg REsp n. 1.154.806-RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 21/3/2012).
Acrescento que toda a violência narrada foi desconsiderada para dar lugar à revitimização da adolescente abusada, bem como ao apoio à cultura permissiva da invasão à liberdade sexual, em regra, contra as mulheres.
Em verdade, o ato narrado nos autos não foi punido por não ser considerado grave, o que, a meu ver, atenta contra a razão e o bom senso. Fez-se uma avaliação da realidade na visão do agente e não na da vítima. Se tomada a ofendida como referência, diversa seria a conclusão acerca da efetiva satisfação da lascívia, assim como da efemeridade da violência.
Para quem sofre abusos de natureza sexual, as marcas podem ter duração eterna. A retórica perpetrada pela Corte local desconsidera, totalmente, a vontade da vítima e a submete, em completa passividade, às investidas sexuais dos agentes dos crimes dessa natureza. Ou seja, para o tribunal de origem pouco importaram a ausência do consentimento e a súplica da vítima para o réu cessar as violentas investidas tendentes, sim, à satisfação da lascívia do agressor.
A prevalência desse pensamento ruboriza o Judiciário e não pode ser tolerada. REsp 1.611.910-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 27/10/2016. Fonte: Informativo 592 do STJ.
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