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Os alimentos, a solidariedade familiar e a dignidade humana

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Publicado em 30/10/2015, às 11:23

A dignidade humana encerra o dever jurídico de respeito e solidariedade familiar na proteção do mínimo existencial. Desse modo, a ordem jurídica assegura a certos parentes (ascendentes, descendentes e irmãos) o direito recíproco de receber alimentos, estendendo tal disciplina ao cônjuge e ao companheiro.

A Constituição Federal veicula a solidariedade como um dos fundamentos e objetivos da República (art. 3º, inciso I). Se a sociedade deve ser justa, fraterna e solidaria, e se a família é a base desta sociedade (CF, 226), é óbvia a existência de uma solidariedade familiar apta a fundamentar o pleito dos alimentos. Ademais, ainda como fundamento dos alimentos, percebe-se os princípios da eticidade e da boa-fé objetiva, enquanto regras de conduta capazes de gerar o mútuo auxílio nos núcleos familiares.

Importa relembrar, como já dito, que a EC 64/2010 incluiu entre os direitos sociais a alimentação, assim como a moradia, a proteção à maternidade, à infância, o lazer e a assistência aos desamparados (art. 6º da CF). Desse modo, é possível amparar os alimentos na perspectiva não apenas da solidariedade familiar, boa-fé e dignidade humana. Além disto, pode-se afirmar que os alimentos constituem direito social. Este é o entendimento de Flávio Tartuce e José Simão, que recordam, ainda, a direta aplicação deste direito e garantia fundamental às relações privadas, em clara eficácia irradiante ou horizontal[1].

Alimentos, então, consistem em direito fundamental e da personalidade, destinado a assegurar a integridade biopsíquica, como alerta Maria Berenice Dias[2]. Dentro deste contexto é que a disciplina jurídica dos alimentos deve ser estudada.

Atualmente, o conteúdo dos alimentos gira em torno da manutenção do status quo do credor, envolvendo uma série de prestações. Nem sempre foi assim, ao passo que quando do Código Civil de 1916 (art. 396), os alimentos se restringiam àquilo que fosse necessário à subsistência. Hoje, em nítido avanço, ao se falar em alimentos deve-se lembrar não só da subsistência, mas também da manutenção de um padrão social do credor.

Acaso um parente, cônjuge ou companheiro necessite (credor de alimentos) e, ao mesmo tempo, existam pessoas no âmbito familiar em condições de fornecer (devedor de alimentos), estará configurado o imprescindível binômio necessidade-possibilidade (capacidade), surgindo a possibilidade do pleito alimentar.

O art. 1.694 do Código Civil (C.C.) prescreve que os parentes, os cônjuges ou os companheiros podem pedir, uns aos outros, os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social. Assim, os alimentos envolvem alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, lazer, educação e, excepcionalmente, parcelas despendidas com o sepultamento, por parentes legalmente responsáveis (art. 872 do CC). Tal enumeração é exemplificativa, na exata lição de Orlando Gomes[3].

Ainda nas pegadas do art. 1.694 do C.C., especificamente do seu parágrafo primeiro, é que se percebe o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade. Assim, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Esta ideia também brota do art. 1.695 do C.C., ao descrever que os alimentos serão devidos quando quem os pretende não possuir condições (bens suficientes) de prover a si mesmo, e aquele em face de quem se reclama puder adimpli-los “sem desfalque do necessário ao seu sustento”.

Com base no referido trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, segue a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

EMBARGOS INFRINGENTES. ALIMENTOS. COISA JULGADA. EXCEPCIONALIDADE. MÉRITO. ANÁLISE DO TRINÔMIO ALIMENTAR. A ação de alimentos faz coisa julgada material no que toca à causa de pedir, leia-se, mesmos fatos. Consubstancia-se a mesma causa de pedir quando forem as mesmas situações fáticas quanto à necessidade, possibilidade e proporcionalidade. Os alimentos originais foram fixados em ação de oferta de alimentos, em que não houve a participação da alimentanda, e, consequentemente, não houve discussão do trinômio alimentar. A análise do trinômio indica a necessária redução. Acolheram os embargos infringentes e deram parcial provimento à apelação e negaram provimento ao recurso adesivo (segredo de justiça) (TJRS – EI: 70008660896 RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 18/06/2004, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis).

Diuturnamente, então, não há como pensar os alimentos divorciados da noção da dignidade humana, do garantismo constitucional e, portanto, do mínimo existencial que todo e qualquer um merecem ter (e ser). Os alimentos constituem direito fundamental da personsalidade humana e, portanto, são indisponíveis, intransacionáveis, impenhoráveis, incompensáveis, incessíveis, inerentes e inatos à condição humana.

Como a jurisprudência vem entendendo esta questão?

No REsp. 933.355-SP, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser inconcebível que o ex-cônjuge postule alimentos com base em simples cálculo aritmético ensejador de rateio proporcional da renda integral da família desfeita tendo em vista que o conceito de condição social deve ser compreendido à luz de padrões mais amplos “mediante inevitável correlação entre divisão social em classes, critério que, conquanto impreciso, ao menos aponte norte ao julgador que deverá, a partir desses valores e das particularidades de cada processo, desconhecer ou não a necessidade dos alimentos pleiteador e, se for o caso, arbitrá-los”. No julgado, entendeu-se que o autor do pedido de alimentos possuía atividade profissional que não ensejaria uma diminuição do seu status social de modo que não seria justificável o arbitramento, naquele caso, de alimentos. Interessante notar que o Superior Tribunal de Justiça passa, com isto, a sustentar a tese de que alimentos entre cônjuges é figura de exceção.

Identificamos que você pode se interessar por:


[1].      TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. 8ª ed. Vol.5:  Direito de Família. São Paulo: Método, 2013, p. 418.

[2].      DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 450.

[3].      GOMES, Orlando. Direito de Família. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 427. Vide ainda o art. 372 do CC argentino ao incluir nos alimentos tanto as despesas ordinárias, quanto as extraordinárias.

 

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