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Cultura jurídica, nepotismo e STF

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Publicado em 13/08/2015, às 13:25

O professor de Direito Constitucional da Pós-graduação Estácio, em parceria tecnológica com o CERS, Leonardo Martins analisou a temática “Cultura jurídica, nepotismo e STF”. Confira o ensaio completo, originalmente publicado no dia 5 de maio de 2014, no Jornal Carta Forense:

A recente nomeação de filhos de ministros do STF para um TJ e um TRF, noticiada por alguns veículos de comunicação social, principalmente na internet, ensejou a manifestação difusa de opiniões que afirmaram – ou pelo menos insinuaram – a ocorrência de início de nepotismo cruzado. Presumindo-se, por força do art. 5°, LVII da CF, a não culpabilidade, resta-nos esperar o esclarecimento dos fatos. Em se comprovando a suspeita, independentemente da situação jurídica a ser abaixo, brevemente, analisada, trata-se no mínimo de uma violação do ethos profissional de juízes, membros de uma Corte, a qual a CF confiou a missão de ser sua “guardiã”, na esteira da conhecida figura cunhada por Carl Schmitt.

Há de serem distinguidos três níveis:

1.    A situação jurídico-constitucional parece ser clara. O nepotismo, mesmo na modalidade cruzada, é vedado pelo art. 37 da CF que erigiu princípios vinculantes à Administração Pública em sentido lato, que abrange também os órgãos do Poder Judiciário, como o da moralidade e o da impessoalidade. Aliás, o próprio STF reconheceu-o em Súmula Vinculante (n° 13, de 21 de agosto de 2008). Todavia, em sua redação, o STF concretamente não vislumbrou a hipótese de nepotismo na oportunidade de nomeação de Desembargadores da Justiça estadual ou federal para aquelas vagas a serem preenchidas por juristas que não ingressaram na carreira da magistratura por concurso público, mas sim pelo chamado “quinto constitucional”, que encontrou respaldo em vários dispositivos da CF. Porém, a SV em geral visa a esclarecer fundadas dúvidas quanto à constitucionalidade de atos normativos, não podendo inovar a ordem jurídica. Portanto, independentemente do teor da referida SV, o suposto início de nepotismo cruzado, uma vez comprovado teria violado também o art. 37 da CF.

2.    No nível fático e político, o STF deveria se manifestar a respeito, institucionalmente, ou, pelo menos, aqueles seus órgãos envolvidos deveriam fazê-lo. Por outro lado, impõe-se notar que a verificação concreta de nepotismo cruzado nem sempre é tarefa simples e o seu sancionamento ou a imposição da consequência de vedações a nomeações de certas pessoas para o chamado quinto constitucional deve levar em consideração que não se pode comprometer carreiras jurídicas em razão da relação de parentesco com membros do STF, sob pena de violar-se o direito à igualdade de tais pessoas. Pensando-se no lado objetivo do interesse da Administração Pública, pessoas competentes e indicadas para determinadas funções, inclusive como a tão nobre função de desembargador de um TJ ou TRF, poderiam ser injustamente excluídas em razão da relação de parentesco ou afinidade. Isso revela que o problema pode ser de ordem sistêmica, criado por uma política constitucional equivocada, que conta com uma longa história constitucional e encontrou respaldo também da Constituição democrática que completou, há pouco, seu primeiro quarto de século de vigência. Posto isto, chegamos ao terceiro nível da questão, o cultural jurídico.

3.    A CF reproduziu, com motivos que não têm como ser mais bem investigados aqui, um modelo de participação de não juízes de carreira em praticamente todos os tribunais das Justiças comum e especiais. Em síntese, pode-se dizer que tal modelo de se reservar 20% das vagas de desembargadores dos tribunais de segunda instância e de ministros dos tribunais superiores abre a possibilidade de trocas de favores tão típicos de um Estado marcado historicamente pelo patrimonialismo. O nepotismo cruzado é apenas uma de suas consequências. Os defensores desse modelo argumentam que ele seria condizente com a democracia, porque abriria o Judiciário aos demais titulares de funções essenciais à Administração da Justiça, viabilizando em parte o “controle externo” do Judiciário. Porém, o argumento não convence, porque a experiência, histórica e contemporaneamente consolidada, aponta em outra direção: nada menos compatível com a nobre função de decidir vinculantemente, ainda que com eficácia inter pars, lides e, nelas, eventualmente descartar normas consideradas inconstitucionais do que abrir o ingresso à carreira pela via da indicação corporativa e nomeação pelo Chefe da Administração Pública federal. Podem ser feitas, como frequentemente ocorre, “campanhas eleitorais” para a nomeação. Estas são feitas, sabidamente, nos bastidores, sem, portanto, nenhum controle democrático.

Além de se analisar casos concretos de nepotismo e de se apurar republicana e rigorosamente responsabilidades, necessário se faz refletir sobre a engenharia institucional ou interinstitucional perpetrada pelo constituinte histórico brasileiro, vale dizer, de constitutione ferenda se é conveniente sob algum aspecto a existência do chamado quinto constitucional.

Se a abertura ou democratização do Judiciário como aludido não passa de uma falácia, fica difícil vislumbrar outro propósito que seja compatível com os princípios constitucionais fundamentais (art. 1° ao 4° da CF), especialmente com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, do art. 3°.

No mais, o lastro democrático do Judiciário deveria ser buscado no aperfeiçoamento da forma de ingresso na carreira que deveria pressupor uma formação de graduação em direito igualitária, já voltada, desde os primeiros semestres, à preparação para aquela que, ao lado da função parlamentar, é a mais relevante investidura no Estado democrático de direito que é a investidura de juiz. Todos os bacharéis deveriam ter a mesma formação que os habilitasse, independentemente de concurso público, à investidura judicial, sendo que a capacitação para ela poderia ser aproveitada, por óbvio, para o desempenho das demais funções essenciais à Administração da Justiça (modelo alemão). Isso não se tornaria realidade sem vultosos investimentos públicos nos cursos de bacharelado em direito e uma revolução nos projetos pedagógicos muito voltados para a advocacia. O investimento se pagaria, porque se trata de uma profissão de Estado, vale lembrar. Seria uma resposta político-constitucional ao que está se convencionando chamar de “comoditização” das profissões jurídicas.

Paralelamente, urge uma verdadeira reforma do processo e da Justiça no sentido de se buscar as melhores condições para todos os juízes e tribunais bem desempenharem seu especial serviço de prestação jurisdicional com base nos parâmetros pré-estabelecidos pelo legislador, parâmetros estes que, por sua vez, também são objetos dos imprescindíveis trabalhos hermenêuticos de cada juiz. Isso garantiria que também pelo Judiciário, em todas as instâncias, os princípios da legalidade (/constitucionalidade) e da impessoalidade pudessem ser concretizados plenamente.

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