Todas as regiões

MENU
Logo do CERS
Logo do CERS
MENU

Todas as regiões

FECHAR

Atualização 2016: crime estadual

Avatar de
Por:
Publicado em 10/08/2016, às 10:00

O professor Rogério Sanches Cunha disponibilizou gratuitamente um caderno de atualizações dos seus livros Manual de Direito Penal (parte geral e especial) e Código Penal Comentado. Nele constam todas as mudanças ocorridas no primeiro semestre de 2016 – doutrina, jurisprudência e legislação. Divulgaremos as atualizações aqui para vocês. Tema de hoje: crime estadual.

Crime estadual é o julgado pela Justiça Estadual, cuja competência é residual, ou seja, atribui-se-lhe tudo o que não compete à Justiça Federal (e demais justiças especializadas, como militar e eleitoral).

Esta classificação de crimes nos obriga a comentar, ainda que sucintamente, o incidente de proteção dos direitos humanos, estabelecido no art. 109, § 5º, da Constituição Federal, por introdução da EC no 45/04.

Estamos diante de um incidente de deslocamento de competência – IDC (erroneamente chamado de “federalização”), visando incrementar a proteção aos direitos humanos e, desse modo, assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais do qual o Brasil seja parte. O argumento para o instituto se resume na linha de que influências políticas e sociais locais podem, eventualmente, em casos de graves violações de direitos do homem, inibir a atuação de determinados órgãos estatais, prejudicando a resposta do Estado.

Um caso, ocorrido no Pará, envolvendo o assassinato de uma missionária norte-americana foi objeto do primeiro incidente (IDC 01/PA), oportunidade em que a Terceira Seção do STJ, por unanimidade, negou o deslocamento de competência desejado pelo PGR. Apesar de (corretamente) negado o deslocamento, a instauração do incidente foi importante para estabelecer seus limites, omissos na Carta Maior.

O pressuposto básico para gerar o incidente é a grave violação aos direitos humanos. Desde logo observamos a dificuldade em delimitar o seu alcance. Nas academias aprendemos que “direitos humanos”, conjunto de direitos inatos ao ser humano, não estão positivados ou quantificados, logo, ilimitados no tempo e no espaço.

Não podem ser confundidos com os “direitos fundamentais”, estes jurídico-positivados, limitados no território e no tempo (decorrente de seu reconhecimento formal). Para dar ensejo ao deslocamento de competência, qual dos direitos (humanos ou fundamentais) deve ser gravemente violado?

A doutrina vem ditando que a melhor solução, tendo em conta a concordância prática dos preceitos constitucionais, é de que o deslocamento deve ser aplicado aos direitos humanos e não apenas aos direitos fundamentais reconhecidos no texto constitucional. Essa conclusão nos remete à jurisprudência hoje assente no Supremo Tribunal Federal que não reconhece controle de constitucionalidade em face do direito suprapositivo o que in- viabilizaria o deslocamento para julgamento de condutas que não violassem preceitos positivados no direito brasileiro limitando-se aos já explicitados direitos fundamentais. Ora essa foi talvez a mais substancial alteração promovida no texto da Constituição Federal vigente, trazendo inclusive nova dimensão à ideia de soberania do Estado. Assim, entendo que a jurisprudência do STF deve se adequar aos novos tempos inaugurados pela reforma do judiciário e admitir que existe um direito acima do direito positivado e esse direito encontra sua base de sustentação nos direitos humanos expressamente reconhecidos no parágrafo em análise.

A expressão grave que antecede o objeto do incidente não pode ser desprezada. Para o deslocamento de competência, a violação de direitos do homem deve ser inquietante, de repercussão no âmbito coletivo. A avaliação, portanto, subjetiva, fica a cargo do órgão provocador (PGR) e julgador (STJ) como expressamente consignado no texto constitucional.

No assassinato da irmã Dorothy, observou o Superior Tribunal:

Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto no. 678, de 6/11/1992”.

Para minorar a porosidade do requisito em análise, na fase de tramitação do projeto de emenda, sugeriu-se o instrumento da interpretação analógica, através do qual o legislador enunciaria exemplos de grave violação a direitos humanos, deixando, no fim, campo fértil para o aplicador pesquisar outros casos semelhantes (igual expediente é utilizado no art. 121 do CP quando define motivo torpe, meio cruel ou insidioso). A sugestão não foi acolhida e a razão, mais tarde, veio estampada no julgamento IDC 1/PA:

Dada a amplitude e a magnitude da expressão ‘direitos humanos’, é verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação de fato, suas circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há falar em norma de eficácia limitada. Ademais, não é próprio de texto constitucional tais definições”.

O IDC tem por finalidade assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos.

Aqui se faz necessário recordar o papel dúplice da União, que, de um lado, representa uma parte do Estado-federal, e, de outro, o próprio Estado federal, pois é ela (União) quem celebra contratos. Com base nessa obrigação assumida pelo ente federal e a União (que será responsabilizada se não tomar providência), eis o grande argumento daqueles que defendem o instituto.

Não se pode perder de vista que o IDC aparece como expediente subsidiário. A “federalização” só tem razão quando comprovada a latente omissão do Estado-membro ou fundado receio de impunidade. No IDC 1/PA, essa característica ficou delineada pelo STJ quando, explicando o caso, advertiu os princípios norteadores do instituto:

Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos. O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente”.

O deslocamento, de acordo com o dispositivo constitucional, pode ocorrer em qualquer fase do inquérito ou processo (mesmo na fase de execução).

Somente o Procurador-Geral da República pode suscitar o deslocamento. A inspiração na construção do legitimado foi, certamente, a ADIN Interventiva, instrumento muito mais sério do que o Incidente de Deslocamento de Competência, atingindo o cerne do pacto federativo quando houver violação dos “princípios sensíveis”.

O pedido deve ser endereçado ao STJ. Por que o STJ e não o STF, já que envolve questão de natureza federativa? A opção foi alvo de críticas. Contudo, a justificativa se extrai quando lembrado que o STJ é o responsável por dirimir os conflitos de competência. Nada impede, porém, que a decisão do STJ de deslocar (ou não) a competência para a Justiça Federal seja revista pelo STF, pela via de Recurso Extraordinário ou de habeas corpus.

Para baixar o caderno completo, clique aqui.

Livros que foram atualizados: Manual de Direito Penal (parte geral)Manual de Direito Penal (parte especial)Código Penal Comentado

Cursos que o prof. Rogério Sanches ministra aulas:

CURSO INTENSIVO PARA A DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL – TEORIA E RESOLUÇÃO DE QUESTÕES OBJETIVAS E SUBJETIVAS + MATÉRIAS COMPLEMENTARES ESTADUAIS + LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

CURSO INTENSIVO PARA O CONCURSO DE DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL + MATÉRIAS COMPLEMENTARES FEDERAIS E ESTADUAIS + LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

 

Siga o CERS no Google News e acompanhe nossos destaques

Avatar de
Por:

Tags relacionadas:

O CERS utiliza cookies para personalizar e garantir a melhor experiência possível. Ao continuar navegando, você concorda com tal utilização.
Para mais informações acesse a nossa Política de privacidade.

a