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Análise dos 28 anos da Constituição

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Publicado em 18/11/2016, às 11:06

"Como bem nos disse Ulisses Guimarães, depois de anos de luta, esperamos a Constituição como o “vigia espera a aurora”. E ela chegou, brilhando e levantando a moral do povo brasileiro em defesa da grande transformação social há tanto sonhada. Renovou a esperança do cidadão em seu país, na sua gente, numa proposta de cidadania democrática nunca antes vivenciada na história brasileira.

Destemida, a Constituição ampliou direitos, renovou garantias, reforçou a Jurisdição Constitucional e o Estado Democrático de Direito, sob o fundamento da dignidade da pessoa humana, mas, aos vinte e seis anos de vida, ainda padece com a síndrome de inefetividade das suas normas.

Em 1988, a Constituição instituiu instrumentos essenciais de afirmação democrática, tais como: a vedação à tortura, ao tratamento desumano e degradante, a igualdade entre homens e mulheres, a saúde como verdadeiro direito fundamental, o racismo como crime inafiançável e imprescritível, a preocupação responsável com o meio ambiente, o direito de expressão coletiva por meio das associações e do direito de reunião, o habeas data, e o mandado de segurança coletivo, dentre inúmeras outras inovações, representando um novo horizonte ao constitucionalismo pátrio.

Durante praticamente toda a história republicana, os analfabetos estiveram excluídos da vida política. Pois a Constituição garantiu a eles o direito ao voto, assim como aos menores entre 16 e 18 anos. Concedeu também a todo cidadão o direito de saber todas as informações que o governo guarda sobre ele e ampliou de forma significativa os direitos trabalhistas. Depois da Constituição, foram elaborados nos anos seguintes um novo Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e, em 2009, a Convenção Internacional dos Portadores de Deficiência recebeu status constitucional.

O controle de constitucionalidade no Brasil também recebeu inegável reforço no texto constitucional. O sistema difuso, com base norte-americana, e presente no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1891, hoje se associa a um sistema de controle concentrado de constitucionalidade que na atual Constituição recebeu mais três importantes ações, a saber: ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação declaratória de constitucionalidade, a arguição de descumprimento de preceito fundamental, que, em conjunto com a ação direta de inconstitucionalidade, formam o arcabouço principal de proteção constitucional no controle abstrato das leis e asseguram a Supremacia da Constituição e os direitos e garantias fundamentais.

Nesse afã incessante por mudanças, a Constituição importou do direito norte-americano o mandado de injunção, e do direito português, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão com a promessa de que finalmente estaria resolvida a crise de efetividade das normas constitucionais de eficácia limitada dependentes de regulamentação, mas essas ações permaneceram no limbo jurídico durante praticamente vinte anos. Até 2007 o Supremo Tribunal Federal adotava uma postura conservadora e à luz da separação de poderes entendia que a decisão final nas ações não poderia fixar prazo para o legislador legislar, tampouco aplicar por analogia norma já existente para suprir a omissão normativa. E os desafios não param por aí…

A influência da Constituição sobre as relações políticas é sem dúvidas o aspecto mais desafiador da constitucionalização do ordenamento jurídico, principalmente em face de uma Constituição dirigente como a nossa. Estabelecer os limites de atuação do Judiciário, os parâmetros de contenção de excessos, o que é verdadeiramente ambiente de discricionariedade administrativa e legislativa, é tarefa das mais árduas trazidas pelo Estado Constitucional de Direito e a democracia ainda tão jovem, segue abalada pela crise de efetividade.

Como falar de consolidação de democracia num país que tanto desrespeita os direitos fundamentais de sua população? Como a própria democracia vai se efetivar se a maior parte da população nacional nem conhece a sua Constituição e com isso também desconhece os seus direitos e deveres? Como exigir o desenvolvimento do raciocínio crítico de um povo que carece de escolas de qualidade e que diante de tanta desesperança se dá por satisfeito muitas vezes em apenas aprender a ler e escrever?

O Brasil ainda possui uma dívida social gigantesca em razão da fragilidade do Estado Social, por isto, enquanto não nos ocuparmos de reajustar o passo histórico-evolutivo e a integração entre a Constituição ideal e a Constituição real, ficaremos à mercê da sorte. Mais uma vez, nas palavras de Ulisses, a persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. E é nesse novo constitucionalismo, sobretudo, nos homens que o instrumentalizam, que depositamos a fé e a esperança na mudança.

Ainda que esbarremos na realidade insofismável de que não importa quão bom seja o texto da Constituição se o seu aplicador não corresponde aos seus méritos, entendemos que o novo debate é um caminho importante a ser trilhado pela modernidade em prol de um mundo mais plural, justo e fraterno.  E como já dizia no início do século passado um baiano, conhecido por todos nós: 'Oxalá não se me fechem os olhos, antes de lhe ver os primeiros indícios no horizonte. Assim o queira Deus![1]'".


[1] Trecho final da “Oração aos Moços” de Rui Barbosa, de 1920.

Artigo escrito pela professora Flavia Bahia

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