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A erosão do afeto, os rituais de passagem do término de um relacionamento amoroso e os alimentos transitórios

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Publicado em 27/01/2016, às 10:02

É certo – e isso não se põe em dúvida – que o fim de uma relação afetiva (seja em que nível for) é marcado por rituais de passagem.

O início do amor também é marcado por transições. No começo, o egoísmo abrupto da paixão gera renúncia a toda e qualquer vida anterior que pudesse existir e o confinamento das vontades autônomas, extingue a primeira pessoa do singular, por tempo determinado – este fato só é descoberto depois…

A outro giro, quando o véu das paixões já não mais encobre defeitos, o término do afeto também carrega consigo ritos para uma transição às avessas.

A escrita direta e perspicaz de Fabrício Carpinejar (Espero alguém, Rio: Bertrand Brasil, 2013, p.34), em prazerosa leitura que fiz (praticamente do livro inteiro de uma só vez), durante um breve voo, retornando de uma conferência, evidencia, em tom lírico, esses rituais por que passam os divorciados:

"A filhota chegou para dormir na casa do pai com os pertences numa sacola de caríssima loja feminina de sapatos, onde cada par não custava menos de R$500. Aquilo irritou o homem: eu sofrendo para pagar pensão e ela gastando os olhos da cara. Não deu outra: a filha voltou para a mãe com sacola de grife masculina. Mariana reparou na marca Armani e se enfureceu: comigo, ele vivia molambento, velho, deve estar apaixonado por alguma piranha. A reação veio no fim de semana seguinte. Providenciou que a filha visitasse Papai com uma sacola do Free Shop. Renato bufou. Preparou a vingança mais que perfeita, apareceu numa rede de lingerie para pedir uma sacola na maior cara de pau, comportou as coisinhas da filha lá dentro e teve sucesso: ele nunca comprou um sutiã para mim, sequer conhece o número do meu peito…. Após 7 dias, apelou de vez e pôs as roupinhas da menina numa bolsa plástica prateada e fosca, própria de sex Shop"!!!

Pois bem, historicamente se enraizou em nós, como um mantra do divórcio, a ideia de que o ex-cônjuge, ou companheiro, deveria prestar pensão alimentícia para a outra parte com vistas a manter o status social da família que se extinguiu. Tratava-se de lamentável equívoco. A ruptura da vida em comum diminui a capacidade financeira de ambos: a despesa, que se divida por 2, agora é multiplicada…. Assim, não há sentido em obrigar uma pessoa a pagar pensão a um ex que pode trabalhar e viver com sua renda. A partir da cessação da convivência, cada um assume as suas despesas com os seus ganhos! E ambos colaboram para a manutenção dos filhos comuns.

É bem verdade, porém, que existem casos nos quais o ex-cônjuge, ou companheiro, ainda não tem capacidade laborativa imediata. Casos em que um deles teve de mudar de domicílio (indo morar no exterior, por exemplo) ou paralisar uma atividade laboral para cuidar da prole. Em casos tais, a depender da situação e em caráter excepcional, é possível fixar alimentos transitórios, por tempo determinado, previamente pelo juiz (atualmente, as decisões parametrizam entre 6 meses e 2 anos). Trata-se de situação anômala: a regra geral é NÃO ter pensionamento na dissolução do casamento ou união estável.

Singrando esses mares, como bom timoneiro, o STJ estabeleceu que, em certos casos, como "ainda vai levar um tempo pra fechar o que feriu por dentro", cabe uma pensão transitória (vide STJ, AC. 3ª T., REsp 1388116/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi , j. 20.05.2014).

Verticalizado ainda mais, pondero que pessoas que estão fora do mercado de trabalho fazem jus a pensão alimentícia, como aquelas que se divorciam depois dos 60 anos de idade, depois de uma vida inteira dedicada ao lar, sem qualquer chance de trabalho e sem qualquer formação profissional. Aqui, em excepcionalidade ainda maior, justifica-se a pensão alimentícia.

Vaticino, agora, que essa alteração, nesse ritual específico da erosão do afeto, prestará relevante serviço ao futuro da sociedade brasileira e à igualdade entre homem e mulher: casamento deixará de ser meta na vida das pessoas! Antes de casar, é relevante que os pais estimulem seus filhos a ter independência financeira, pois, advindo um divórcio, a regra é NÃO HAVER ALIMENTOS ENTRE ELES! Logo, se a pessoa não tem como se manter, os pais terão de colaborar com a sua manutenção. Até porque os pais são parentes, o ex-cônjuge não!

Penso que isso servirá para cessar a pressão que se faz sobre as jovens estudantes que, mal acabam de se formar, e já são cobradas: quando vai casar? Quando vai ter filhos? Parece-me estranho ninguém perguntar quando vai se estabilizar financeiramente.

Para além de tudo isso, antevejo uma outra contribuição futurista da compromissada jurisprudência do STJ (com a pena competente da Min. Nancy Andrighi): valorizará o afeto no casamento. Em tempos de amores líquidos (fluidos, como o próprio mercado), como denuncia o pensador polonês, radicado na Inglaterra, Zygmunt Bauman, não mais será possível cobrar do ex uma indenização pelo insucesso afetivo. Amar é arriscado! E quem se entrega aos desígnios do coração assume os riscos das renúncias, escolhas e opções de vida!

É menos um ritual para esse turbulento momento, facilitando um rápido restabelecimento das vidas de cada um. E, quando o próximo amor bater à porta, encontre alguém mais amadurecido e construa uma relação mais centrada nas possibilidades de convivência.

A evolução desse entendimento do STJ, com acórdãos ilustrativos e reflexões doutrinárias, estão no vol. 6 (Famílias), do nosso CURSO DE DIREITO CIVIL, Ed, JusPodivm.

Para se aprofundar:

CURSO INTENSIVO PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS
CURSO PREPARATÓRIO PARA CARREIRA JURÍDICA – MÓDULOS I E II
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CIVIL

 

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