O Judiciário tem o poder de se recusar a cumprir o julgamento da Defensoria Pública de Direitos de cobrar taxas de resgate em valores tão baixos que não ultrapassam nem o custo do processo e o custo da movimentação da máquina pública?
Entenda
A questão gerou empate em julgamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na última terça-feira (25/4). Como o colegiado está desfalcado após a morte do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o caso será resolvido por voto de desempate do ministro Humberto Martins, que a partir de 5 de maio integrará a turma.
O precedente é importante para a atuação das defensorias em todo o Brasil, pois os valores cobrados pela perda de uma causa vão para os fundos que administram para equipamentos e capacitação profissional de seus membros e funcionários.
O caso concreto trata de honorários relativos a uma ação de alimentos em que o réu foi julgado à revelia. No cumprimento de sentença, a Defensoria Pública do Tocantins buscou cobrar verba de R$ 58,37. A Justiça Estadual negou seguimento ao pedido.
Duas linhas de entendimento se desenvolveram no STJ. A relatora, ministra Nancy Andrighi, disse que não cabe ao Judiciário impedir a cobrança de multas. Não há lei habilitante ou critérios definidos para os quais seja apropriado levantar hipóteses. O ministro Marco Aurélio Bellizze votou com ela.
A divergência foi aberta pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que pode impedir que o judiciário movimente a máquina pública de acordo com os princípios constitucionais relacionados à eficiência e racionalização do uso dos recursos públicos. Ele ressalta que existem outras maneiras mais convenientes de sacar dinheiro. O ministro Moura Ribeiro votou com ele.
Cobrança irracional
Cueva destacou que ao abrigo da lei complementar 132/2009, que permitiu aos defensores públicos exercer e receber fundos subordinados, muitos deles organizaram-se em núcleos e centros para arrecadar e gerir esses valores. E definiram os parâmetros e critérios para sua criação, o que inclui a renúncia a tais valores.
Os próprios defensores sabem assim que devem seguir as regras que impõem maior eficiência e racionalidade na gestão dos fundos públicos. No caso da instituição tocantinense, há resolução que permite dispensa de execução para cobrança de taxas e resolução de pendências por via administrativa.
Qual é o limite?
Segundo o relator, o desvio de posição trará graves consequências para o sistema judiciário. Uma delas é provocar uma explosão de manifestações de devedores apontando que os valores devidos são muito baixos e, portanto, não deveriam ser cobrados na Justiça.
Isso coloca a instância comum e o próprio STJ em uma situação em que terão que definir qual é o custo mínimo do processo suficiente para permitir a execução; que critérios sociais, econômicos ou regionais devem ser atendidos para a separação dos casos passíveis de execução; e se questões pessoais, como a renda do mutuário, devem ser consideradas.
Grave também é o fato de serem raros os casos em que a Defensoria Pública de Direitos, como representante dos indigentes e vulneráveis, têm direito a honorários por sucumbir a módicas quantias. Retirar a capacidade de realizar esses valores terá um impacto financeiro.
Política pública
Para o ministro Cueva, nenhum desses argumentos justifica a falta de racionalidade em gastar mais dinheiro do Estado para cobrar um valor menor em favor de um órgão que pertence ao próprio Estado. “O verdadeiro acesso à Justiça àquele que a necessita só é garantido se houver uso racional da máquina”, defendeu.
REsp 2.041.163
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