O STF recentemente equiparou a injúria racial ao racismo, tornando-a imprescritível. De acordo com entendimento do plenário do órgão, a injúria é espécie do crime de racismo, portanto, sua imprescritibilidade estaria de acordo com o art. 5º, XLII, CF.
No entanto, essa alteração levanta algumas dúvidas que serão respondidas aqui, vamos conferir?
O que é a Prescrição e o que significa a Imprescritibilidade?
A Prescrição Penal é um instituto do Direito que determina o limite temporal da punição estatal. O objetivo do instituto é impedir que o Estado tenha a possibilidade de punir a pessoa a qualquer tempo, portanto, exige-se um tempo razoável entre a conduta e a punição, determinada pela gravidade do delito, conforme o art. 109, CP.
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
A Prescrição pode ser classificada em Prescrição da Pretensão Punitiva (contabilizada antes do trânsito em julgado da sentença), que leva em consideração a pena máxima em abstrato do delito; e Prescrição da Pretensão Executória, que leva em consideração a pena definida em concreto na sentença.
Ainda, é importante ressaltar que o art. 115, CP, estabelece uma redução, pela metade, do prazo prescricional, quando o criminoso for menor de 21 anos no tempo do crime, ou maior de 70 anos, na data da sentença:
Art. 115 – São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.
Já a Imprescritibilidade é uma condição especial atribuída a alguns crimes, pela própria Constituição Federal, que excede a regra da prescrição. Portanto, são crimes cuja punibilidade estatal não cessa.
Ainda, os delitos imprescritíveis, pela Constituição, são: Racismo (art. 5º, XLII, CF) e a Ação de Grupos Armados, Civis ou Militares, contra a Ordem Constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CF).
Entenda o Julgado do STF
O caso começou com uma moradora do Distrito Federal que ofendeu uma frentista de um posto de combustíveis chamando-a de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”, sendo processada perante o TJDFT.
A prática configurou o delito de de injúria qualificada por preconceito, previsto no at. 140, §3º, CP:
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena – reclusão de um a três anos e multa.
Embora similar ao crime de racismo (este previsto no art. 20, da Lei n. 7.716/89), a injúria racial não pode ser confundida com este. Conforme explica o TJDFT: “o que diferencia os crimes é o direcionamento da conduta, enquanto que na injúria racial a ofensa é direcionada a um indivíduo específico, no crime de racismo, a ofensa é contra uma coletividade, por exemplo, toda uma raça, não há especificação do ofendido.”
A autora do crime foi condenada a um ano de reclusão e dez dias-multa pela 1ª Vara Criminal de Brasília. A defesa recorreu da decisão, pleiteando a extinção da punibilidade, tendo em vista que a ré possuía mais de 70 anos na data da sentença.
Por fim, o STJ declarou o delito imprescritível, negando o pedido da defesa, que impetrou Habeas Corpus no STF.
– Como votaram os ministros?
Ainda em 2020, no final do ano, o relator do caso, o ministro Edson Fachin, votou a favor da equiparação entre injúria e racismo. Dessa forma, para ele, não poderia ser reconhecida a extinção de punibilidade da injúria racial.
O ministro Nunes Marques abriu voto divergente, argumentando que as condutas de cada crime são diferentes, e que apenas o Legislativo poderia admitir a imprescritibilidade da injúria racial.
O entendimento do relator foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. O ministro Gilmar Mendes não estava presente.
Alexandre de Moraes defendeu em seu voto que a constituição não determina a imprescritibilidade de um tipo penal em específico, mas sim de situações de racismo, assim, “referir-se a alguém como expressões preconceituosas, como ‘negrinha nojenta, ignorante e atrevida’, foi uma manifestação ilícita e preconceituosa em razão da condição de negra da vítima. Então houve um ato de racismo”.
A imprescritibilidade da Injúria Racial pode retroagir?
No Direito Penal, vigora o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (lex gravior). No entanto, nada se fala sobre a retroatividade jurisprudencial.
Conforme entendimento do nosso Professor e Delegado Federal, Eduardo Fontes, e também do nosso Professor e Promotor de Justiça, Alexandre Salim, a retroatividade da jurisprudência só poderia ocorrer para beneficiar o réu. Dessa forma, crimes cometidos antes da decisão do STF não estão sujeitos à interpretação da imprescritibilidade.
Nesse sentido, temos os seguintes julgados:
Não há se falar em irretroatividade de interpretação jurisprudencial, uma vez que o ordenamento jurídico proíbe apenas a retroatividade da lei penal mais gravosa. De fato “os preceitos constitucionais relativos à aplicação retroativa da norma penal benéfica, bem como à irretroatividade da norma mais grave ao acusado, ex vi do artigo 5º, XL, da Constituição Federal, são inaplicáveis aos precedentes jurisprudenciais
(HC 161452 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 6/3/2020, DJe 1/4/2020).
Este Tribunal Superior de Justiça possui entendimento remansoso de que “o art. 621, inciso I, do Código de Processo Penal, determina que caberá revisão criminal ‘quando a sentença condenatória for contrária a texto expresso da lei’, o que não pode ser confundido com mudança de orientação jurisprudencial a respeito da interpretação de determinado dispositivo legal.”
(REsp 706.042/RS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJ 07/11/2005)
Ainda, importante lembrar que, por se tratar de uma decisão plenária, ela não possui efeito vinculante, de modo que os juízes podem ou não usar a nova jurisprudência para justificar suas decisões.
Caso a discussão sobre o tema se amplie e passe a ser recorrente no judiciário brasileiro, é possível que uma Súmula seja editada sobre o tema, pacificando assim o entendimento.
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