Sobre a responsabilidade civil dos estabelecimentos foi sumulado o entendimento de n. 130 do STJ dispondo que “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. De acordo com o teor da súmula, a empresa ou estabelecimento que permite aos seus clientes utilizar seu estacionamento, de forma onerosa ou gratuita, responde por roubo ou furto de veículos a eles pertencentes, tendo em vista que assume o dever de guarda e proteção independentemente do uso de placas ou letreiros que postulam a isenção de responsabilidade.
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Interpretações do STJ
Nesse sentido, o STJ vinha aplicando tal entendimento, inclusive estendendo-o, afirmando que a Súmula nº 130 não comportaria interpretação restritiva, não se podendo considerar o furto ou roubo de veículo causa excludente da responsabilidade das empresas que exploram o estacionamento de automóveis, na medida em que a obrigação de garantir a integridade do bem é inerente à própria atividade por elas desenvolvida (REsp n. 976.531/SP).
Há julgado ainda no sentido de responsabilização do estabelecimento em caso de assalto a carro-forte que transportava malotes do supermercado instalado dentro do shopping center, sendo considerado como consumidor por equiparação, baseado nos arts. 2º, 14 e 17, do CDC. Nesse contexto consumerista, o campo de incidência da responsabilidade civil ampliou-se, pois passou a atingir não apenas o fornecedor diretamente ligado ao evento danoso, mas toda a cadeia de produção envolvida na atividade de risco prestada. E o CDC, em seu art. 14, referindo-se ao fornecedor de serviços em sentido amplo, estatui a responsabilidade objetiva deste na hipótese de defeito na prestação do serviço, atribuindo-lhe o dever reparatório, desde que demonstrado o nexo causal entre o defeito do serviço e o acidente de consumo (fato do serviço), do qual somente é passível de isenção quando houver culpa exclusiva do consumidor ou uma das causas excludentes de responsabilidade genérica – força maior ou caso fortuito externo (REsp n. 1327778/SP).
Outra hipótese é a responsabilização por danos morais decorrentes de tentativa de roubo em estacionamento de shopping center, onde não houve perda material, mas devido à situação de aflição e sofrimento causado ao consumidor. Assim, o shopping center deve reparar o cliente pelos danos morais decorrentes de tentativa de roubo, não consumado apenas em razão de comportamento do próprio cliente, ocorrida nas proximidades da cancela de saída de seu estacionamento, mas ainda em seu interior. Tratando-se de relação de consumo, incumbe ao fornecedor do serviço e do local do estacionamento o dever de proteger a pessoa e os bens do consumidor. A sociedade empresária que forneça serviço de estacionamento aos seus clientes deve responder por furtos, roubos ou latrocínios ocorridos no interior do seu estabelecimento; pois, em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, assume-se o dever – implícito na relação contratual – de lealdade e segurança, como aplicação concreta do princípio da confiança (REsp n. 1.269.691/PB).
Assim, de acordo com a jurisprudência majoritária o fato danoso ocorrido ao usuário/consumidor decorre do risco do empreendimento, constituindo caso de fortuito interno, cuja responsabilidade é objetiva, não incidindo as causas de excludentes relativas à força maior ou caso de fortuito externo, tendo em vista que neste caso, o fato deveria ser inteiramente estranho à atividade desempenhada pelo fornecedor direta ou indireta quando destinadas à exploração econômica.
Casos de roubo
No entanto, apesar do entendimento reiterado firmado pelo Tribunal da Cidadania, recentemente, no julgado do REsp 1.431.606-SP, de relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, e rel. acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, ficou decidido que a incidência do disposto na Súmula n. 130, STJ não alcança as hipóteses de crime de roubo a cliente de lanchonete, praticado mediante grave ameaça e com emprego de arma de fogo, ocorrido no estacionamento externo e gratuito oferecido pelo estabelecimento comercial, já que o caso não se trata de simples subtração (furto) ou avaria (dano) da motocicleta pertencente ao autor, mas da subtração desta mediante grave ameaça dirigida por terceiros contra sua pessoa, ou seja, verificou-se a ocorrência do crime de roubo, que foi praticado, inclusive, com emprego de arma de fogo, o que evidencia ainda mais a inevitabilidade do resultado danoso.
A decisão teve por fundamento o disposto no art. 393, do CC, que elenca a força maior e o caso fortuito como causas excludentes do nexo causal e, por consequência, da própria responsabilidade civil e o seu parágrafo único, que por sua vez, dispõe que ambos se configuram na hipótese de fato necessário, cujos efeitos se revelem impossíveis de evitar ou impedir. A interpretação do dispositivo citado deve seguir na direção de que o "agente" não deve responder pelos danos causados na hipótese em que não lhe era possível antever e, sobretudo, impedir o acontecimento. Destaca-se também que não se pode comparar a situação em apreço com a de estacionamentos privados destinados à exploração direta de tal atividade ou a daqueles indiretamente explorados por grandes shopping centers e redes de hipermercados.
No presente acórdão, foram distinguidas as duas hipóteses, tendo em vista que, no caso relativo a demandas indenizatórias promovidas em desfavor de empresas voltadas especificamente à exploração do serviço de estacionamento, o STJ tem afastado a alegação defensiva de ocorrência de força maior por considerar configurado fortuito interno, por serem inerentes à atividade comercial explorada. Assim, nessa hipótese, os riscos oriundos de seus deveres de guarda e segurança que constituem, em verdade, a própria essência do serviço oferecido e pelo qual demanda contraprestação. No caso em que figuram no polo passivo de demandas análogas hipermercados ou shopping centers, a responsabilidade tem sido reconhecida pela aplicação da teoria do risco (risco-proveito) conjugada com o fato de se vislumbrar, em situações tais, a frustração de legítima expectativa do consumidor, que termina sendo levado a crer, pelas características do serviço agregado (de estacionamento) oferecido pelo fornecedor, estar frequentando ambiente completamente seguro.
No caso da demanda, nenhumas dessas circunstâncias foram observadas, pois, o autor foi vítima de assalto na área de estacionamento aberto, gratuito, desprovido de controle de acesso, cercas ou de qualquer aparato que o valha, circunstâncias que evidenciam que nem sequer se poderia afirmar ser a lanchonete responsável por eventual expectativa de segurança criada pelo consumidor.
Dessa forma, para que haja responsabilização do estabelecimento, em demandas análogas a hipermercados ou shopping centers e aplicação do disposto na Súmula n. 130, do STJ, se faz necessária a presença do dever de guarda e segurança por parte desses, que constituem, em verdade, a própria essência do serviço oferecido e pelo qual demanda contraprestação, e que sua falha cause frustração de legítima expectativa do consumidor. Ausentes tais circunstâncias, não se aplica a teoria do risco do empreendimento e sendo configurada causa de fortuito interno. Caracterizando-se assim, causa de excludente de responsabilização por fortuito externo, não devendo o estabelecimento responder pelos danos causados na hipótese em que não lhe era possível antever e impedir o acontecimento.
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Observe a ementa do acórdão:
Recurso especial. Ação indenizatória. Danos morais e materiais. Roubo de motocicleta. Emprego de arma de fogo. Área externa de lanchonete. Estacionamento gratuito. Caso fortuito ou força maior. Fortuito externo. Súmula nº 130/STJ. Inaplicabilidade ao caso.
1. Ação indenizatória promovida por cliente, vítima do roubo de sua motocicleta no estacionamento externo e gratuito oferecido por lanchonete. 2. Acórdão recorrido que, entendendo aplicável à hipótese a inteligência da Súmula nº 130/STJ, concluiu pela procedência parcial do pedido autoral, condenando a requerida a reparar a vítima do crime de roubo pelo prejuízo material por ela suportado. 3. A teor do que dispõe a Súmula nº 130/STJ, a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículos ocorridos no seu estacionamento. 4. Em casos de roubo, a jurisprudência desta Corte tem admitido a interpretação extensiva da Súmula nº 130/STJ para entender configurado o dever de indenizar de estabelecimentos comerciais quando o crime for praticado no estacionamento de empresas destinadas à exploração econômica direta da referida atividade (hipótese em que configurado fortuito interno) ou quando esta for explorada de forma indireta por grandes shopping centers ou redes de hipermercados (hipótese em que o dever de reparar resulta da frustração de legítima expectativa de segurança do consumidor). 5. No caso, a prática do crime de roubo, com emprego inclusive de arma de fogo, de cliente de lanchonete fast-food, ocorrido no estacionamento externo e gratuito por ela oferecido, constitui verdadeira hipótese de caso fortuito (ou motivo de força maior) que afasta do estabelecimento comercial proprietário da mencionada área o dever de indenizar (art. 393 do Código Civil).6. Recurso especial provido.(REsp 1431606/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe 13/10/2017).
Sobre Cristiano Sobral
Cristiano Sobral é doutorando em Direito. Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor na FGV, na Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro, na Fundação Escola da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, no Complexo de Ensino Renato Saraiva e na Fundação Escola do Ministério Público do Rio de Janeiro. Professor universitário, palestrante e autor de diversas obras jurídicas.
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